Título: Senador boliviano está entre os quase mil refugiados no Brasil
Autor: Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2008, Internacional, p. A14
Brasiléia, no Acre, também recebeu 30 brasileiros que fugiram da Bolívia
João Paulo Charleaux
Paulo Bravo, senador do departamento autonomista de Pando pelo partido Podemos (de oposição a Evo Morales), está entre os quase mil bolivianos que fugiram de Cobija desde quinta-feira, buscando refúgio no Brasil. O exôdo teve início após o massacre de pelo menos 18 camponeses que faziam um protesto pro-Evo na semana passada. O governador de Pando, Leopoldo Fernández, foi detido ontem acusado de ter ordenado o massacre.
A pequena cidade acreana de Brasiléia, com 20 mil habitantes, também recebeu um grupo de 30 brasileiros nos últimos cinco dias, a maioria pequenos agricultores e assalariados rurais que trabalhavam no lado boliviano da fronteira e voltaram com medo.
Ontem à noite, Bravo organizava uma lista com os nomes de 400 bolivianos que estavam agrupados na praça da cidade, alguns deles sem nenhum pertence nem dinheiro. ¿Eu mesmo, só tenho 400 bolivianos (cerca de R$ 100) no bolso¿, disse Bravo ao Estado, por telefone.
¿Fui junto com Fernández para uma reunião com o governo, mas quando chegamos no aeroporto, o avião já estava com os motores ligados¿, conta Bravo. ¿Aquilo foi um seqüestro, não uma detenção. Nem mandado os militares tinham.¿
O fluxo de famílias recém-chegadas ao Brasil ameaça sobrecarregar os serviços públicos tanto de Brasiléia quanto da vizinha Epitaciolândia e já colocou em alerta o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que manteve reuniões com o Itamaraty e Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) na tarde de ontem, em Brasília.
¿Se esse fluxo continuar, vai sobrecarregar a prefeitura¿, disse o vice-prefeito de Brasiléia, Antônio Pacífico (PSB). ¿Muitos se hospedam em casa de amigos, mas não sabemos onde isso vai parar.¿
Do lado brasileiro, os recém-chegados foram recebidos em casas de amigos e parentes, mas alguns buscaram hotéis da cidade. Um grupo de dez bolivianos chegou a acampar próximo do ginásio local, antes de ser transferido pela prefeitura.
O representante da Secretaria de Articulação Institucional do Governo do Estado do Acre, José Alvani, foi enviado à cidade e não descartou a necessidade de campanhas públicas de arrecadação de alimentos: ¿Por enquanto temos prédios públicos que servem de abrigo, colchões e comida, mas, se for o caso, vamos aumentar a ajuda e pedir contribuições.¿
Os brasileiros que fugiram de Pando nos últimos dias foram acomodadas ontem na Casa de Cultura de Brasiléia, mantida pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais. Metade dos desabrigados é de crianças. Entre os adultos, a maioria é de mulheres.
¿Fugi com meu marido e os dois filhos, um de 8 anos e outro de 1 ano e meio¿, contou Maria Raimunda Silva Abreu, caseira de uma chácara em Estrada Porto Rico, próxima de Cobija, capital do departamento boliviano.
¿Quando ocorria tiroteio de noite as crianças se agarravam em mim, chamando `mamãe, mamãe¿. Eu tinha a sensação de que ia morrer¿, conta Maria Raimunda. ¿Vamos ficar por aqui agora. Não sei até quando.¿
Para prestar ajuda humanitária aos recém-chegados, a Defesa Civil montou um grupo de trabalho com representantes das prefeituras, sindicatos, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.
O grupo avalia que as famílias que fogem para o Brasil têm medo das ameaças, dos tiroteios e dos bloqueios de estradas, mas poucos chegam feridos ou doentes. ¿Eu estava agora na ponte da divisa com a Bolívia e posso assegurar que o trânsito de pessoas está completamente liberado¿, disse o vice-prefeito de Brasiléia.