Título: Oposição aceita diálogo, apesar da prisão do governador de Pando
Autor: Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2008, Internacional, p. A14

Rubén Costas, o mais radical dos opositores, defende conversações como único caminho para solucionar crise no país

Renata Miranda, LA PAZ

O governador do Departamento (Estado) de Tarija, Mario Cossío, assinou ontem à noite em nome de todos os opositores um acordo de princípios para conversações formais com o governo do presidente Evo Morales, apesar da prisão do governador de Pando. O acordo foi assinado em uma igreja de Santa Cruz e entregue ao cardeal Júlio Terrazas, que o encaminharia ao governo central.

O governador de Santa Cruz, Rubén Costas, estava presente, mas não ficou claro se ele também assinou o documento negociado nos últimos dias com o vice-presidente Álvaro García Linera. O governo também assinou o acordo separadamente. As conversações devem começar amanhã em Cochabamba e tratar de todas as questões da disputa entre a oposição e La Paz.

Costas, o mais radical dos governadores de oposição, defendeu o diálogo como único meio para solucionar a crise na Bolívia e acusou o governo de ¿buscar pretextos para provocar mais luto entre os bolivianos¿.

À tarde, os líderes dos dos quatro departamentos rebeldes - Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija -, que há 28 dias organizam manifestações contra o governo de Evo, suspenderam as negociações após o Exército prender o governador do Departamento de Pando, Leopoldo Fernández, por supostamente ter ordenado o ¿massacre¿ que deixou 18 camponeses mortos na semana passada. Fernández foi detido em seu gabinete e enfrentará acusações de genocídio.

¿A detenção do governador de Pando obedeceu a uma determinação legal; as Forças Armadas estão cumprindo seu papel legal no estado de sítio¿, disse Evo. O governo de La Paz havia decretado estado de sítio em Pando na quinta-feira e ordenado a captura dos responsáveis por supostamente montar uma emboscada contra um grupo de camponeses que fazia manifestação pró-Evo na cidade de Cobija. Além dos 18 mortos, o confronto deixou 37 feridos e há 106 pessoas desaparecidas. Ontem, a Corte Suprema pediu ao governo que ¿retome o caminho da concórdia e da paz social¿ e ponha fim ao estado de sítio.

Fernández nega ter ordenado o massacre, mas não resistiu à prisão. Ele foi embarcado em um avião, supostamente em direção a La Paz, informação não confirmada pelos militares. Nas próximas 48 horas o governo de Pando deverá ficar a cargo de oficiais do Exército.

Para professora de ciências políticas Maria Angélica Soarez, a promessa de diálogo de Evo não passa de retórica. ¿Até agora o governo tem se mostrado intransigente, até mesmo ditatorial, como mostra a militarização de Pando¿, afirmou Maria Angélica ao Estado, por telefone, de Santa Cruz. ¿A reivindicação de autonomia é um projeto político permanente, não é um problema de agora, que precisa ser ouvida.¿

Segundo o presidente venezuelano, Hugo Chávez, Evo disse ter acertado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma atuação conjunta para desmantelar grupos armados em seu país. ¿Lula prometeu enviar seu ministro da Defesa para fazer essa ação conjunta¿, teria dito Evo, segundo relatou Chávez à imprensa.

Evo acusou o governador de Pando e o ex-presidente da Bolívia Jorge Quiroga de organizar o grupo paramilitar Forças Expedicionárias. O ministro do Interior, Alfredo Rada, disse que o governo investiga ¿uma conexão entre o poder político e a atividade do narcotráfico em Pando¿.

SOCIEDADE DIVIDIDA

Nas ruas de La Paz, o trânsito ficou caótico por causa de uma manifestação contra Fernández. Várias ruas foram fechadas e cerca de 300 pessoas se agruparam diante do edifício da Força Aérea para receber o governador preso, mas Fernández não chegou ao local.

Grupos pró-Evo lançaram ontem ataques a redes de TV ligadas aos opositores. Em La Paz, jovens foram detidos quando se dirigiam para atacar o prédio da Red Unitel. Em Cochabamba, um bomba foi lançada contra a Red Uno.

Além da divisão do país em departamentos contra e pró-Evo, analistas vêem também divisões dentro do movimento oposicionista. Para o sociólogo Fernando Galindo, é preciso diferenciar a posição dos departamentos e a das elites. ¿Até agora, as elites conseguiram mostrar os seus interesses como os interesses da regiões, mas isso parece estar mudando.¿

Angélica concorda. ¿Há o que os dirigentes querem, e o que o povo quer¿, diz. ¿O povo não quer mais violência, porque a violência se mostrou um fracasso político.¿ REUTERS, E AFP; COLABOROU LUCIANA ALVAREZ