Título: Ação de Lula convenceu Evo a negociar
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2008, Internacional, p. A16

Líder brasileiro também neutralizou discurso de Chávez na Unasul

Denise Chrispim Marin, BRASÍLIA

Atuando o tempo todo como um líder político pragmático e brandindo princípios do estado de direito e da democracia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva coordenou, na reunião de segunda-feira da União das nações Latino-Americanas (Unasul) em Santiago, a posição consensual que levou o presidente boliviano, Evo Morales, a aceitar a negociação com os quatro governadores da oposição. Contra a vontade de Evo, a Unasul rejeitou qualificar o movimento desses governadores de ¿golpe de Estado civil¿.

A intervenção de Lula fortaleceu, ao mesmo tempo, a defesa de que era inadmissível qualquer tipo de contestação à legitimidade de Evo, bem como ao direito do líder boliviano pôr fim à violência e manter a integridade territorial do país mobilizando as Forças Armadas.

Das reivindicações de Evo, a que foi explicitamente acatada foi a de a Unasul criar uma comissão para investigar os incidentes ocorridos no Departamento (Estado) de Pando, onde 18 pessoas foram mortas, segundo o governo.

Uma vez declarada a legitimidade institucional de Evo, Lula foi enfático ao dizer ao colega boliviano que ele tinha a obrigação de promover o diálogo com os governadores oposicionistas. ¿Cabe ao Estado constituído induzir ao diálogo¿, resumiu Lula, para quem Evo deve usar a legitimidade das urnas e da Constituição para negociar e também para impor a ordem.

A Unasul evitou transferir qualquer papel de intermediação à Organização dos Estados Americanos (OEA). Foi uma maneira de rechaçar a idéia de citar na declaração final os EUA como suspeitos de interferência na região - discurso freqüente dos presidentes Evo e Hugo Chávez, da Venezuela.

A reunião começou com a equipe de Evo exibindo um vídeo com ataques de grupos supostamente oposicionistas e cenas de violência. As imagens reforçaram a tese de que competiria a La Paz tomar a iniciativa de acabar com a violência.

Em seguida, os presidentes falaram de suas experiências em situações críticas internas. Chávez repetiu, uma vez mais, a história do golpe que sofreu em 2003. O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, expôs os confrontos do governo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e alertou Evo para o risco de o Estado tornar-se violento por causa da ação de grupos ilegais.

Mas coube a Lula chamar os seus colegas a uma solução pragmática para o encontro. Fontes que participaram da reunião relataram que o brasileiro mostrava-se angustiado com os relatos e o proselitismo dos colegas. ¿O que você quer que a gente faça, Evo? Como podemos ajudar?¿, questionou Lula. ¿Você tem de nos dizer, porque ninguém aqui vai interferir na crise interna da Bolívia.¿ Segundo o chanceler Celso Amorim, o boliviano respondeu que precisava ver respeitada a legalidade em seu país e a integridade territorial, assim como desativar qualquer tentativa de golpe. Esse diálogo entre Lula e Evo pôs as conversas da Unasul no eixo e deu a Lula o pretexto para lembrar o líder boliviano de suas responsabilidades e parar de alardear que há um golpe em curso na Bolívia.

Fontes de Brasília disseram que Lula aconselhou Evo a envolver seu governo em uma negociação com a oposição. Lula deixou claro que poderia impor condições para esse diálogo, como o fim da violência e da ocupação de prédios públicos, mas que competiria a ele tomar a iniciativa de buscar um acordo. Lula advertiu que um eventual fracasso das negociações não deve abrir uma brecha para o governo responder com mais violência. No dia 25, a Unasul realiza em Nova York uma reunião, marcada anteriormente, na qual avaliará a evolução do processo boliviano.