Título: Crise vai durar pelo menos até 2009
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2008, Economia, p. B3
Economista diz que EUA sofrerão dano permanente em decorrência do `fiasco¿. Para ele, brasileiros devem `apertar os cintos¿
Leandro Modé
Barry Eichengreen está no time de economistas que há algum tempo vinha alertando para a insustentabilidade do modelo de crescimento econômico seguido pelos Estados Unidos nos últimos anos. É verdade que sem a mesma intensidade do colega Nouriel Roubini, que recentemente foi objeto de um perfil no The New York Times intitulado ¿Dr. Doom¿ (algo como Doutor Maldição). Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, acredita que a crise financeira terá impactos macroeconômicos importantes, não só para os Estados Unidos, mas para o mundo todo. ¿Acho que os brasileiros devem apertar os cintos de segurança¿, disse ele, em entrevista concedida ao Estado por e-mail.
A situação nos mercados surpreendeu o senhor?
Não me surpreendeu o fato de que a situação financeira tenha piorado. Sempre fui da opinião de que haveria um segundo estágio na crise de crédito. O primeiro estágio foi causado pelo tombo do setor imobiliário e pelos problemas dos investidores com os papéis lastreados em hipotecas de alto risco (subprime). Agora a atividade econômica está desacelerando, o que cria problemas para todas as pessoas e retorna, de forma negativa, para o sistema financeiro. Então posso dizer: ¿Eu avisei.¿ Claro que a rapidez e a violência da deterioração das últimas semanas surpreenderam a todos, inclusive a mim.
O que vem a seguir?
Mais do mesmo. Haverá mais perdas para os bancos comerciais, para os bancos de investimento e para a indústria de seguros. A situação não vai melhorar até ao menos 2009.
O governo americano tem dinheiro suficiente para realmente restaurar a confiança nos mercados?
O governo dos Estados Unidos pode tomar emprestado o tanto de dinheiro que quiser. A algum preço, é claro. Não ficarei surpreso se o Tesouro americano tiver seu rating rebaixado em algum momento do ano que vem. O problema, porém, não é simplesmente o dinheiro. São as dúvidas sobre a integridade do sistema. É a incerteza sobre se há mais bombas para explodir. São questões que só o tempo poderá responder.
Alguns argumentam que o governo sempre pode imprimir dinheiro. Pode até ser o caso dos EUA agora. Mas isso tem, evidentemente, um impacto no resto da economia. Nesse sentido, o que espera dos EUA em termos de crescimento e de inflação à luz das atitudes tomadas pelo Fed e pelo Tesouro até agora?
Acredito que o Fed preservará a estabilidade, mas, como já disse algum tempo atrás, o Tesouro americano será obrigado a tomar um monte de dinheiro emprestado para recapitalizar o sistema financeiro. Estimo algo na casa de US$ 1,5 trilhão. Isso vai significar mais dívida requerendo juros mais altos no longo prazo. Os brasileiros sabem muito bem como uma alta taxa real de juros pode afetar o crescimento econômico. Em outras palavras, acho que os EUA sofrerão dano permanente em decorrência desse fiasco. Não estou sugerindo que os EUA se tornarão um caso complicado do ponto de vista econômico, mas é improvável que cresçam tão rapidamente nos próximos dez anos como se expandiram nos últimos dez.
Mas a economia real mostrou-se resistente, ao menos nos últimos meses. Não será possível que os EUA continuem crescendo 3,5% a 4% ao ano?
Não há como. Está claro agora que não apenas os EUA, mas também Europa e Japão, estarão em recessão em grande parte de 2009 - talvez no ano inteiro. Os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) vão se portar melhor, mas será que seus amigos e vocês serão capazes de sustentar o crescimento global? Tenho minhas dúvidas.
E a China?
A China cresce quando crescem suas exportações, e 2009 será um ano difícil nesse aspecto. Creio que a expansão chinesa vai desacelerar da faixa entre 10% e 11% dos últimos anos para algo ao redor de 8%.
E o Brasil?
O Brasil tem a vantagem de ter uma pauta de exportações dividida entre commodities e bens manufaturados, o que é bastante útil sob circunstâncias normais. Mas acredito que a demanda global tanto por commodities quanto por manufaturas se enfraquecerá significativamente em 2009. Então, essa vantagem será menos importante do que o usual. Os brasileiros deveriam apertar os cintos de segurança.
Como fica o dólar nesse cenário?
Agora que os investidores estrangeiros estão perdendo o apetite por títulos de empresas como Fannie Mae e Freddie Mac, o fluxo de capitais para os Estados Unidos vai desacelerar. Isso vai implicar um dólar mais fraco.
O senhor acredita que as experiências do Japão e da Suécia (que tiveram seus sistemas bancários salvos pelos governos alguns anos atrás) podem ser seguidas pelos Estados Unidos?
Sim, é possível, mas não é algo que espero para já. De qualquer forma, já vimos o governo americano tomar conta de uma boa parte do sistema financeiro, se incluirmos a Freddie Mac, a Fannie Mae, a AIG e o IndyMac Bank. Virá mais pela frente.
Qual dos dois candidatos a presidente tem as melhores propostas?
Não gostaria de responder essa questão porque ainda não vi propostas significativas de ambos os lados.