Título: Crédito para plantio preocupa agricultura
Autor: Salvador, Fabíola
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2008, Economia, p. B6
Além de afetar demanda por comida, crise vai encarecer financiamentos
Fabíola Salvador e Fernando Nakagawa
A crise financeira que balançou os mercados internacionais nos últimos dias e desencadeou uma onda de redução no ritmo de empréstimos jogou uma nuvem de preocupação sobre a agricultura brasileira. Além de uma possível redução na demanda mundial por alimentos, como reflexo do desaquecimento da economia global, analistas acreditam que será mais difícil conseguir recursos privados para plantar as lavouras em 2009, já que os bancos e as tradings terão mais dificuldades para captar recursos no exterior.
A conseqüência é que o repasse de dinheiro aos produtores brasileiros dependerá de uma análise mais criteriosa, o que não impedirá o encarecimento do crédito. ¿Para a safra que está sendo plantada, a crise americana não piora o que já estava ruim¿, afirma André Pessoa, sócio diretor da Agroconsult.
O consultor Fernando Pimentel, da Agrosecurity, explica que as tradings, que são grandes financiadoras da agricultura brasileira, reduziram a oferta de crédito e limitaram as compras antecipadas já nesta safra. A compra antecipada tem sido um dos grandes motores de financiamento da atividade agrícola no Brasil. ¿A atual redução na oferta de dinheiro não está diretamente relacionada com a crise financeira atual, mas a tendência é que o quadro se agrave ainda mais com a turbulência mundial¿, diz Pimentel.
Os dois consultores dizem que a resistência das tradings em financiar a safra de 2008 está diretamente relacionada à volatilidade dos preços das commodities agrícolas no ano passado, o que obrigou essas empresas a um grande aperto no caixa. ¿Elas estão adiando as compras e diminuindo o crédito para manter a liquidez de suas contas¿, diz Pimentel. De acordo com Pessoa, cerca de 30% da safra de soja do Centro-Oeste foi vendida antecipadamente neste ano, ante 50% na média dos anos anteriores, números que, segundo ele, comprovam que já há menos dinheiro das tradings no campo em 2008.
Para Pessoa, as perspectivas são ainda piores para 2009, por causa da crise americana. ¿A safra deste ano está sendo plantada com recursos dos produtores, que tiveram lucro no passado e resolveram investir. Mas não há certeza de lucro com a safra do ano que vem.¿ Segundo ele, a rentabilidade da soja em 2009 deve ser igual à deste ano, cerca de R$ 150 por hectare em Mato Grosso, mas os custos de produção, ao contrário, serão bem maiores. ¿Vai sobrar a mesma coisa, mas os riscos aumentaram bastante. Se o risco é maior, as empresas serão mais criteriosas¿, diz.
O professor do Instituto de Economia e integrante do núcleo de economia agrícola e meio ambiente da Unicamp, Antonio Marcio Buainain, acredita que esse cenário exigirá das empresas e dos bancos mais critério para a liberação de crédito a partir de agora. ¿Não faltará dinheiro para bons tomadores. O bom pagador sempre terá dinheiro.¿ Pimentel, da Agrosecurity, conta que os empresários do agronegócio também temem redução nas linhas de crédito dos bancos privados.
MAIS GOVERNO
Os consultores são unânimes em afirmar que o cenário de restrição de liquidez exige maior intervenção do governo. Mas a luz amarela também está acesa em Brasília. A participação dos bancos públicos no crédito rural em 2008 será a menor da história: perto de 55% em 2008, muito inferior ao verificado no começo do Plano Real, quando o Banco do Brasil, Banco do Amazônia, Banco do Nordeste e outras instituições públicas emprestavam quase 80%, segundo dados do Banco Central. ¿Muito dinheiro emprestado pelo banco não volta por causa das renegociações. A carteira não diminuiu¿, diz o vice-presidente de agronegócios do BB, Luís Carlos Guedes Pinto.
Segundo o economista Guilherme Dias, professor da Universidade de São Paulo (USP), cada prorrogação da dívida autorizada pelo governo compromete parte da chamada exigibilidade bancária. Por lei, 25% dos depósitos à vista e 65% da poupança precisam ser aplicados no crédito rural. No Banco do Brasil, 27% da carteira agrícola de R$ 61,6 bilhões está comprometida com operações rurais prorrogadas, de acordo com o balanço divulgado no fim de junho. Além disso, lembra o professor, os gerentes dos bancos também resistem em dar crédito aos produtores.
Mas, na visão dos bancos privados, a situação está ainda está tranqüila. Para essas instituições, o investimento maciço em sistemas tecnológicos para avaliação de risco mantém os empréstimos sob controle. Segundo a superintendente executiva de agronegócios do Santander, Oacy Orefice, o banco consegue antecipar eventuais dificuldades com o acompanhamento exaustivo do mercado futuro, estoques e oscilações de preço. Isso pode, por exemplo, sinalizar eventual aumento da inadimplência.
Nem mesmo a falta de recursos para os empréstimos tem sido, pelo menos por ora, problema para as instituições privadas. No começo do ano, com o fim da CPMF, os bancos tiveram forte redução dos depósitos à vista, já que, sem a CPMF, muitos depósitos migraram para a poupança, o que reduziu a fatia destinada ao campo. ¿Mesmo com a falta de recursos, agüentamos o tranco e chegamos a usar recursos de tesouraria (de livre uso) para a agricultura¿, disse Oacy.