Título: Resgate financeiro, o mal menor
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2008, Notas e Informações, p. A3

A decisão do governo americano de gastar outras centenas de bilhões de dólares, além dos que já gastou, para limitar os estragos da crise financeira foi bem recebida não só nos Estados Unidos, mas nos mercados de todo o mundo. A sexta-feira terminou em ritmo de festa nas grandes bolsas de valores, depois de uma semana de ansiedade, boatos assustadores e momentos de pânico. Mais uma vez foi preciso escolher o menor dos males, e o menor dos males, nesse caso, será a intervenção do Tesouro para retirar do mercado um enorme volume de títulos podres - créditos dificilmente recebíveis. É o lixo deixado pela grande farra das hipotecas imobiliárias e do crédito fácil nos últimos anos. O maior dos males não seria a quebra de mais alguns grandes bancos e umas tantas instituições de vários tamanhos. Quanto mais grave essa quebradeira, maior o risco de uma severa recessão, deflagrada pelo encolhimento do crédito e pela contaminação de todos os setores de atividade na maior parte do mundo.

Para comunicar a decisão do governo, o presidente George W. Bush cercou-se das três autoridades econômicas mais importantes dos Estados Unidos: o secretário do Tesouro, Henry Paulson, o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, e o presidente da Securities and Exchange Comission, a comissão de valores mobiliários americana, Richard Cox. O plano de retirar do mercado os títulos podres dependerá de aprovação do Congresso, e os detalhes da proposta seriam definidos no fim de semana. O presidente Bush pediu a colaboração do Congresso, acima da divisão partidária. Dificilmente se poderia duvidar, na sexta-feira, de uma resposta positiva, especialmente depois de o candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama, ter elogiado as novas iniciativas do Tesouro e do Fed para ampliar o apoio às instituições financeiras e conter a turbulência no mercado.

O próximo presidente americano, seja quem for, terá suas possibilidades de ação limitadas pelo custo fiscal do novo plano anunciado pelo presidente Bush e pelo secretário Paulson. Será uma herança pesada, mas seria muito pior assumir o governo do país com um setor financeiro devastado e a economia atolada em severa recessão. De fato, ninguém pode dizer com segurança, neste momento, qual seria o cenário em janeiro de 2009, mas o mais prudente é raciocinar com as hipóteses mais pessimistas. Obama deve ter chegado a essa mesma conclusão.

Mas o socorro, embora necessário, é insuficiente, observou o candidato. O governo americano, segundo ele, deveria promover uma articulação internacional para uma resposta conjunta à crise e para a criação de regras preventivas. Oportunista ou não, o comentário de Obama toca num ponto crucial. O governo americano tem sido muito menos propenso que os europeus à regulação do mercado financeiro. A dimensão da crise atual deve levar a uma nova atitude. Vencidas as dificuldades de hoje, a próxima tarefa, disse Paulson, será ¿melhorar a estrutura regulatória¿ para evitar a repetição dos excessos verificados nos últimos anos.

É apenas uma questão de bom senso. Que o mercado seja incapaz de auto-regulação não é novidade. O plano de intervenção anunciado na sexta-feira não é o primeiro desse tipo. Nos anos 80, na crise das instituições de poupança e empréstimos, o governo gastou centenas de bilhões de dólares para limitar as falências. Na atual crise, já usou muitas centenas de bilhões do contribuinte, sem grande resultado, na tentativa de limitar os danos. Agora terá de usar muito mais dinheiro para executar um plano de ajuda mais amplo e radical. Uma boa regulação do mercado teria evitado tudo isso pela simples limitação das ações irresponsáveis. Os banqueiros continuarão a resistir, mas isso não deveria desestimular os governos.

A regulação seria muito mais eficiente, no entanto, se fosse estabelecida por meio da cooperação internacional e envolvesse a criação de um sistema amplo de supervisão. Organismos como o Banco de Compensações Internacionais e o Fundo Monetário Internacional poderiam operar mecanismos de acompanhamento e de alerta. Até certo ponto, já têm procurado cumprir essas funções, mas suas advertências não foram ouvidas. O barulho da grande farra financeira abafou os sinais de alarme.