Título: Human Rights é expulsa da Venezuela
Autor: Alvarez, Luciana
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2008, Internacional, p. A26

É como matar o mensageiro¿, diz diretor de ONG, trazido para o Brasil

Luciana Alvarez

O governo da Venezuela expulsou dois executivos da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), obrigando-os a embarcar num vôo para São Paulo, onde chegaram na manhã de ontem. A ação causou espanto mesmo para o grupo acostumado a receber duras críticas. ¿Nunca antes nenhum membro da nossa equipe tinha sido expulso neste continente¿, afirmou José Miguel Vivanco, diretor do HRW para as Américas. ¿Esse ato do governo de Hugo Chávez (presidente da Venezuela) é muito revelador e preocupante¿, disse. ¿Demonstra a pertinência de tudo o que foi dito em nosso relatório.¿

Na noite de quinta-feira, Vivanco e o vice-diretor da organização, Daniel Wilkinson, foram obrigados a embarcar num avião de Caracas com destino a São Paulo. Durante o dia, os dois haviam trabalhado na divulgação de um relatório com fortes críticas à democracia venezuelana e com denúncias de violações dos direitos humanos no país.

¿A política de Chávez de nos expulsar é como aquela de matar o mensageiro das más notícias¿, afirmou o chileno Vivanco. ¿Estamos acostumados a reações verbais violentas, mas não imaginava que iriam nos mandar embora pela força¿, disse o vice-diretor.

Os executivos expulsos contaram que, ao chegarem ao hotel depois do jantar, um grupo de cerca de 20 homens já esperava por eles. Alguns vestiam roupas de militares e portavam armas. O chefe do grupo, que se identificou como um funcionário de direitos humanos do governo de Chávez, informou que eles seriam expulsos imediatamente por agredirem a soberania da Venezuela.

¿Eles já haviam entrado no quarto e recolhido nossas coisas¿, contou o diretor. ¿Pedi apenas para pegar alguns documentos no cofre e eles nos permitiram.¿ Quando Vivanco tentou ligar de seu celular para o embaixador do Chile em Caracas e avisar sobre o caso, os homens disseram que ele não tinha autorização para telefonar e tomaram o aparelho.

¿Eu tentei enviar uma mensagem de texto, mas eles agarram o celular da minha mão com tanta violência que estragaram o aparelho e arrebentaram um botão da minha camisa¿, disse Wilkinson, cidadão americano. Além do celular, a outra perda foram as duas caixas de relatórios impressos, confiscadas pelos militares.

Os diretores da HRW contaram que foram então levados ao aeroporto por um comboio de cerca de cinco carros e várias motos. Eles foram deixados diretamente na porta do avião, sem passar por nenhum tipo de controle de fronteira e sem serem avisados sobre o destino. ¿Mas quando chegamos na pista do aeroporto, ouvimos eles se comunicando, pedindo para os outros veículos se afastarem¿, disse o vice-diretor. Wilkilson acredita que o grupo não queria causar nenhum tipo de comoção no aeroporto.

¿Quando chegamos, todos os passageiros estavam nos olhando. Descobrimos que, para nos esperar, o vôo acabou atrasando duas horas¿, disse o americano. O vôo da Varig previsto para as 20h35 saiu por volta de meia-noite e meia. Só dentro do avião, Vivanco e Wilkilson perguntaram aos comissários de bordo e descobriram que viriam para São Paulo.

Apesar da expulsão, os executivos garantem que a ONG não deixará de atuar na Venezuela. ¿Essa ação abusiva exige que tenhamos ainda mais atenção com o país¿, afirmou Vivanco. ¿Membros da sociedade civil, que têm menos proteção que nós, estão em constante risco.¿

Para o diretor da entidade, Chávez tem como princípio que a necessidade de implantar seu projeto bolivariano está acima de todas as instituições e liberdades do país. ¿Em seu discurso, qualquer voz contrária é visto como um inimigo seu e um aliado do império.¿

Vivanco negou a acusação do governo venezuelano de que ele teria entrado no país com visto de turista. ¿Como cidadão chileno, não preciso de visto para ir à Venezuela, como não preciso para estar aqui no Brasil¿, afirmou. ¿Ao entrar no país, apenas preenchi um formulário e informei que o motivo da visita era trabalho.¿

Vivanco e Wilkinson haviam chegado a Caracas na quarta-feira e voltariam a Nova York na manhã de ontem. Com a expulsão, eles passaram o dia no Brasil, mas deveriam retornar aos Estados Unidos já na noite de ontem.

O governo americano classificou de ¿repreensível¿ o tratamento dados aos executivos. ¿A expulsão do líder de uma instituição internacional, independente e respeitada é repreensível¿, disse um porta-voz do Departamento de Estado. ¿A Human Rights Watch já criticou governos de todo o Hemisfério Ocidental, incluindo os EUA, e nenhum respondeu dessa forma.¿