Título: As formigas trabalham no verão
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2008, Espaço Aberto, p. A2

A turbulência que abala o mercado financeiro americano, com repercussões em todo o mundo, parece distante de um final. Um ano após seu início, grandes instituições financeiras ainda mostram enorme fragilidade. Após o resgate de gigantes do mercado de hipotecas e seguros, o governo americano recorre agora a um pacote extremo: a promessa de aquisição de todos os ativos não-líquidos das instituições financeiras. A conta das perdas já chegou à casa do trilhão de dólares.

Os países emergentes ainda resistem a importar a crise, mantendo bom nível de crescimento, embora seus mercados de ativos sofram e as fontes de financiamento mostrem forte redução.

O Brasil nunca se mostrou tão preparado para enfrentar uma turbulência dessa magnitude. E segue crescendo a taxas elevadas (5,95% nos últimos 12 meses até junho) e com nível recorde de geração de empregos e de investimentos. No passado, circunstâncias bem menos graves nos levaram a constrangimentos imensos.

O Brasil avançou, melhorou a vascularização de seus mercados e a musculatura de sua economia. Foram muitos anos de ajustes e consolidação institucional e um esforço mais recente que resultou em maior crescimento e melhor distribuição dos ganhos para as famílias mais pobres. O desenvolvimento se espalha, mostrando um novo potencial em cada uma das diferentes regiões do País.

Mas até que ponto nossa economia seguirá crescendo, em face da contração dos principais mercados?

Não há respostas definitivas para essa questão. As incertezas são bem maiores, na medida em que o fundo do poço da crise financeira ainda não apareceu e os cenários futuros permanecem opacos.

Mas o que podemos fazer para correr menos riscos nos próximos anos, dado que as maiores economias podem caminhar para a estagnação?

Esta é uma pergunta que tem respostas. E não são respostas complexas ou mirabolantes. Na verdade, observar o conjunto de medidas racionais, de bom senso e baseadas nas melhores experiências mundiais que o Brasil adotou nos últimos anos é um bom caminho para ajustar uma agenda para esse período de incertezas.

Já aprendemos com nossa própria experiência que a construção de um cenário de estabilidade macroeconômica é um pressuposto para o crescimento de longo prazo. Este cenário existe hoje no Brasil e precisa, antes de qualquer coisa, ser preservado, pois a instabilidade dos grandes mercados fará enorme pressão sobre o equilíbrio de nossa economia.

As metas fiscais, já ampliadas no ano em curso, e o combate à inflação continuam sendo prioridades e exigem vigilância e coordenação. As contas externas, embora acumulem menos ganhos no presente, contam com um bom colchão de segurança, com reservas superiores a US$ 200 bilhões e um melhor perfil de endividamento em moeda estrangeira, resultado de um longo e paciente trabalho de renegociação de passivos.

Mas o equilíbrio macroeconômico não é suficiente para um cenário de adversidades. É preciso continuar o trabalho das reformas, melhorando as instituições reguladoras e permitindo maior flexibilidade às empresas e ao sistema de crédito.

Quanto a isso, não foi pouco o que o Brasil fez nos últimos anos. Além da reforma do Judiciário e da Previdência do setor público, houve a reforma do sistema de crédito e da construção civil, a nova Lei de Recuperação de Empresas, a abertura do setor de resseguros, a lei das novas normas contábeis e importantes medidas regulatórias para o mercado de capitais. Tudo isso forma um conjunto coerente de aperfeiçoamentos institucionais e do ambiente de negócios que tem contribuído muito para o desempenho da economia. Continuar esse esforço é a melhor forma de atravessar a atual turbulência com menores danos à economia e à sociedade.

A reforma tributária deverá ter continuidade após as eleições de outubro. Simplificar o sistema de impostos é o mínimo que se impõe para reduzir custos, aumentando a produtividade e ajudando no combate à inflação.

A reforma do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é outro tema em pauta que teve boa evolução na Câmara dos Deputados e está pronta para ser votada em plenário. O cadastro positivo, outra inovação fundamental para a construção de um sistema mais sólido de crédito, também está em processo final de votação. Já a legislação que aperfeiçoa as agências reguladoras parece mais morosa e com poucos estímulos para tramitar no Legislativo, exigindo novos esforços.

Um amplo debate de caráter regulatório tem se dado recentemente a respeito das novas reservas de óleo e gás do chamado pré-sal. Apresentar uma agenda de longo prazo, com mecanismos efetivos de atração de investimentos e formatação de contratos que garantam um bom equilíbrio de riscos no acesso a essas novas fontes de riqueza, também é um desafio presente.

Igualmente importante é evitar retrocessos, como é o caso do projeto aprovado no Senado e em tramitação na Câmara que elimina o ¿fator previdenciário¿, entre outros. Medidas dessa natureza estão na contramão das reformas necessárias e do próprio equilíbrio fiscal.

Assim, se é verdade que o Brasil tem atravessado a presente turbulência demonstrando consistência e mantendo um bom nível de crescimento, nunca é demais remar contra as pedras.

Se os ventos do norte vierem mais frios e mais violentos, encontrarão instituições mais sólidas e mecanismos mais flexíveis de funcionamento de nossa economia. Se, ao contrário, o cenário não se mostrar tão sombrio nos próximos meses, melhor ainda: nós nos estaremos capacitando a ocupar um lugar de maior destaque num novo ciclo de crescimento mundial.

Antônio Palocci, deputado federal (PT-SP), foi ministro da Fazenda