Título: Boom de crédito imobiliário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/09/2008, Notas & Informações, p. A3

O crédito à moradia com recursos das cadernetas de poupança aumentou, em agosto 92,5%, em relação ao mesmo mês de 2007, e 102,8% nos últimos 12 meses, em relação aos 12 meses anteriores. É a explosão de uma demanda, reprimida durante muitos anos, mas cujo ritmo deve ser acompanhado com atenção, para evitar problemas futuros com a qualidade das operações.

Em 2002, quando tiveram sua maior queda, os empréstimos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) financiaram 28,9 mil unidades, no montante de R$ 1,76 bilhão. A recuperação começou em 2003 e, em 2005, foram financiadas 61,1 mil habitações, no valor de R$ 4,85 bilhões, com aumentos, respectivamente, de 111,2% e de 175,5% em três anos.

Mas o ritmo do aumento se acelerou muito a partir de 2006, quando o número de unidades financiadas evoluiu 86,3% em relação a 2005 e o valor emprestado subiu 92,5%. Em 2007, o crescimento sobre 2006 atingiu, respectivamente, 72% e 95,7% - e esta velocidade persiste neste ano.

Comparando o ano de 2002 com os últimos 12 meses, o aumento do número de unidades financiadas foi de 855% e o do montante, de 1.474%. O recorde histórico de 267 mil unidades financiadas, alcançado em 1981, já foi superado nos últimos 12 meses, com 276,5 mil contratos, prevendo-se que o número de operações alcance 300 mil em 2008.

Mesmo após todo esse crescimento, o mercado de crédito imobiliário no Brasil ainda é pequeno em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). As operações do SBPE representam cerca de 2,5% do PIB brasileiro. Nos Estados Unidos, os empréstimos dessa categoria se elevam a mais de 100% do PIB americano.

Mas não há, de fato, comparação possível entre o sistema brasileiro de empréstimos imobiliários e o norte-americano. A crise subprime, nos Estados Unidos, deveu-se à securitização maciça de dívidas de baixa qualidade, tratadas pelas companhias de classificação de risco como se fossem de boa qualidade. O valor das hipotecas contratadas chegava a superar 100% do valor de mercado dos imóveis e os créditos ficaram com garantia insuficiente ante a queda do valor dos bens.

No Brasil, a securitização é incipiente, os títulos securitizados são de boa qualidade e não se prestam a operações especulativas. Além disso, as garantias das operações aumentaram com a substituição da hipoteca pela alienação fiduciária, desde 1997. Não há paralelo entre os empréstimos atuais e aqueles concedidos nos anos 80, quando o País estava em recessão e o desemprego era crescente. Além disso, hoje, a combinação de juro menor com melhora do mercado de trabalho ampliou o número de mutuários em condições de honrar a dívida.

Os financiamentos concedidos no País atingem, no máximo, 80% do valor do imóvel - e o valor médio das dívidas é razoável -, inferior a R$ 100 mil, para pagamento em prazos de 15 anos a 30 anos.

Ademais, as operações de crédito imobiliário são conduzidas por bancos comerciais, com tradição de concessão de empréstimos. No caso de uma piora das condições econômicas do País, não será novidade se os bancos reduzirem o porcentual máximo financiável, com vistas a atenuar os riscos naturais das operações.

A inadimplência ainda é elevada nos contratos antigos, sobretudo das décadas de 80 e 90, mas é baixa agora, justamente quando o crédito imobiliário mais cresceu. Atrasos de mais de três prestações, considerados de maior risco, ocorrem em apenas 3,5% das operações contratadas depois de junho de 1998.

Ainda assim, as novas concessões de crédito devem levar em conta que o Brasil não ficará totalmente imune à crise internacional. Num período de menor atividade econômica, também tende a ser menor a estabilidade do emprego e, portanto, a capacidade de pagar dívidas. Nem todos os mutuários têm saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que pode ser utilizado para pagar as prestações.

O déficit habitacional brasileiro está concentrado nas faixas de baixa renda, nas quais a poupança é escassa. Esses mutuários dependem, assim, de que o emprego e a renda continuem assegurados.