Título: A União e o ensino básico
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2008, Notas e Informações, p. A3

Embora a Constituição determine que a educação fundamental e média seja prioritariamente organizada e oferecida pelos Estados e municípios, a Câmara e o Senado têm aprovado projetos de lei - às vezes patrocinados pelo governo central - que federalizam esses dois níveis de ensino. Com isso, ampliam-se as prerrogativas da União à custa da autonomia dos Estados e municípios, que continuam sendo, formalmente, os principais responsáveis pela gestão do sistema escolar.

O exemplo mais ilustrativo dessa distorção é a lei que, aprovada antes do recesso de julho, impôs o piso nacional de R$ 950 para o magistério público. Essa era uma antiga aspiração da categoria. No entanto, movidos por interesses eleiçoeiros e corporativos, deputados e senadores fizeram tantas modificações no projeto original que acabaram determinando que 33% da jornada de 40 horas semanais dos docentes seja reservada para atividades extraclasse. Com isso, o Congresso impôs aos Estados e municípios um aumento de gastos sem a necessária e correspondente cobertura de receita, pois os Estados serão obrigados a contratar mais professores.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, serão necessários 27,4 mil docentes, além dos 83 mil em atividade. Minas Gerais, que já tem 160 mil professores, precisará contratar 16 mil. E São Paulo, com 243 mil docentes, terá de contratar outros 80 mil. Com a nova lei, os gastos desses três Estados com salários dos professores podem crescer até 50%. A estimativa do Conselho Nacional de Secretários da Educação é de que a cada quatro professores será preciso contratar um novo. Além de inflar a folha de pagamento sem melhorar a qualidade do ensino, essa medida levará muitos Estados a ultrapassar o teto de gastos com pessoal fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita em 49% da receita corrente líquida a despesa total com funcionários do Poder Executivo.

¿Busca-se tirar proveito da benevolência com que os projetos relativos a benefícios para professores são encarados no Congresso e do fato de o governo federal não pagar a conta, para obter vantagens de carreira que muito dificilmente seriam aprovadas nos Estados e municípios, onde as questões orçamentárias e financeiras seriam necessariamente consideradas. Some-se a isso um tipo de atuação das entidades sindicais que visa, de modo ostensivo, ao constrangimento dos parlamentares para que votem favoravelmente as suas propostas¿, diz o deputado e ex-ministro Paulo Renato Souza (PSDB-SP), em artigo publicado domingo no Estado.

Ele também lembra que, como os gastos criados com a multiplicação de benefícios e salários serão bancados pelos Estados e municípios, o governo federal vem adotando ¿uma atitude oportunista e irresponsável¿, apoiando esses projetos com o objetivo de obter dividendos políticos. Além de interferir na fixação da jornada de trabalho do magistério, matéria que é prerrogativa dos Estados, a lei do piso, que foi sancionada pelo presidente Lula sob forte oposição dos governadores, estabeleceu o Índice Nacional de Preços ao Consumidor como indicador para o reajuste do salário do professorado - inclusive os inativos.

Pela Constituição, que consagra o princípio da responsabilidade compartilhada na gestão do sistema educacional entre os entes federados, cabe à União formular as diretrizes para o ensino básico e criar mecanismos de estímulo e cobrança de resultados. Mas, ao aprovar leis que impõem regras para a formação de professores, fixam normas para a eleição de diretores de escola, concedem um ano sabático para os docentes e asseguram o 14º salário para os professores da educação básica, o Congresso aos poucos vai unificando o sistema educacional e corroendo o federalismo. Com isso, o Brasil segue direção oposta à dos países desenvolvidos, que adotam um sistema educacional descentralizado que permite adequar as escolas às especificidades socioeconômicas de cada região. Se a União já tem dificuldades para administrar as instituições federais de ensino superior - sua atribuição precípua -, de que modo poderá gerir com competência e qualidade um sistema tão grande e complexo como o ensino fundamental e médio?

Quanto mais o Congresso centralizar e unificar o ensino básico, mais difícil será melhorar a sua qualidade.