Título: MPs criam regime de exceção, diz Mangabeira
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2008, Nacional, p. A16

Ministro prega mudança radical no sistema constitucional e `experimentalismo democrático¿

João Domingos, BRASÍLIA

Integrante de um governo que já editou 338 medidas provisórias, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, afirmou ontem que as MPs tornam a democracia brasileira um Estado de exceção. ¿Vivemos num Estado de exceção permanente porque o presidente da República não consegue governar sem editar medidas provisórias.¿ Sem contar, segundo ele, que a Presidência da República é um posto de força política e administrativa, uma vez que as eleições presidenciais são plebiscitárias.

Mangabeira fez a declaração na abertura de um seminário sobre os 20 anos da Constituição, realizado pelo Instituto de Direito Público (IDP), que tem entre seus fundadores o presidente do Supremo Tribuna Federal (STF), Gilmar Mendes. Ao iniciar sua fala sobre gargalos constitucionais no Brasil, Mangabeira lembrou que iria expressar seu pensamento, e não o do governo - que um dia já classificou de ¿o mais corrupto da história¿. A parte em que atribuiu à edição de MPs o regime de exceção da democracia brasileira está incluída no capítulo Análise e Crítica de sua exposição.

Da primeira vez em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou Mangabeira Unger ministro, o fez por medida provisória. Mas o Senado rejeitou a MP que criava a Secretaria de Longo Prazo, feita especialmente para abrigar Mangabeira. Sem outra saída, o presidente então o nomeou ministro de Assuntos Estratégicos, cargo que já existia.

RADICAL

Mangabeira defendeu uma radical mudança no sistema constitucional brasileiro. Ele vê na democracia praticada aqui cópia imperfeita do sistema federalista e presidencialista norte-americano, criado por James Madison (quarto presidente dos Estados Unidos, 1809-1817), e da República de Weimar (1918-1933), na Alemanha. Ao primeiro, atribui a adoção, no Brasil, de uma federação capenga; ao segundo, a possibilidade do regime de exceção.

Para Mangabeira, chegou a hora de o Brasil dar um basta aos dois modelos que originaram sua democracia e, por conseqüência, sua Constituição. ¿Proponho uma solução radical: rejeitar a semidemocracia copiada dos Estados Unidos e a República de Weimar. Sugiro sermos os primeiros a sepultá-las.¿ A solução para o Brasil, afirmou Mangabeira, é um ¿experimentalismo democrático¿, que flexibilize o federalismo, que vire o País de cabeça para baixo, dando força à maioria desorganizada, hoje submetida à vontade de uma minoria organizada.

O ¿experimentalismo democrático¿ que o Brasil deve buscar, segundo ele, tem de jogar fora a camisa-de-força das cópias feitas dos sistemas dos Estados Unidos e da Alemanha logo depois da Primeira Guerra Mundial. ¿Tiremos a camisa-de-força para reconciliar o sonho da pujança e da ternura. Busquemos uma vitalidade anárquica, quase cega. Quando dermos olhos à ousadia, teremos também grandeza¿, bradou ele.