Título: Lacerda pediu a Lula para ficar no caso Dantas
Autor: Samarco, Christiane; Filgueiras, Sônia
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2008, Nacional, p. A16

Ao trocar PF pela Abin, ele disse que `fazia questão¿ de chefiar apuração

Christiane Samarco, Sônia Filgueiras e Tânia Monteiro, BRASÍLIA

Antes de assumir o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em outubro de 2007, o delegado Paulo Lacerda fez um pedido especial, em tom de apelo, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Numa audiência, no Planalto, Lacerda disse que, apesar de ter de deixar a direção-geral da Polícia Federal (PF) para assumir o novo cargo, ¿fazia questão de continuar na coordenação das investigações do banqueiro Daniel Dantas¿. A audiência e o pedido do delegado foram confirmados por três fontes do governo.

Em depoimento no Ministério Público Federal, no mês passado, o delegado Protógenes Queiroz, que chefiou a Operação Satiagraha, disse textualmente que a investigação do banqueiro Daniel Dantas era uma ¿missão presidencial ao Paulo Lacerda¿. O depoimento foi colhido porque a Procuradoria abriu uma investigação para apurar supostos excessos e ilegalidades de Protógenes no comando da operação Satiagraha. As informações confirmando o teor do depoimento de Protógenes foram dadas ao Estado pela assessoria de imprensa do Ministério Público.

A Satiagraha começou em outubro de 2004, com Lacerda na chefia da PF.

Em 8 de julho foi executada uma série de mandados judiciais, quando 24 pessoas tiveram a prisão decretada e foram presos Dantas, Naji Nahas, Celso Pitta entre outros. A operação foi um desdobramento de outras duas investigações: a primeira, em 2003, montada para apurar fraudes bancárias no processo falimentar da Parmalat; durante essa apuração apareceram indícios da atuação da Kroll, a serviço de Dantas, quando a polícia chegou ao Banco Opportunity e aos HDs que deram origem à Satiagraha. Na investigação da guerra dos grampos travada entre Dantas e seus sócios nos negócios de telecomunicações, ele aparece como suspeito de ter até mesmo grampeado ministros do governo Lula.

Na audiência, no Planalto, o presidente não fez nenhuma objeção ao pedido de Lacerda. Àquela altura, o ex-diretor da PF já havia escolhido o delegado Protógenes para levar adiante o inquérito contra Dantas, e deu ciência de sua escolha ao governo. Um assessor do presidente disse ao Estado que o delegado ¿tinha mesmo muita gana para pegar o Dantas¿ por causa de uma reportagem da revista Veja. Ele se referiu à edição de 17 de maio de 2006, em que a revista, usando informações de um dossiê de Dantas, diz que o presidente Lula, quatro de seus ministros à época (Luiz Gushiken, José Dirceu, Márcio Thomaz Bastos e Antônio Palocci), o senador Romeu Tuma (SP) e o próprio Lacerda tinham contas bancárias no exterior. Todos negaram.

Por causa do envolvimento do nome de Lula na reportagem, com base em informações de Dantas, é que Lacerda teria dito ao delegado Protógenes que se tratava de uma ¿missão presidencial¿. O presidente, tanto quanto Lacerda, ¿também queria investigar de uma vez por todas o banqueiro¿, disse a fonte.

A Abin, por meio da assessoria de imprensa, disse que a primeira vez que o delegado Paulo Lacerda ouviu falar que a investigação era de interesse do presidente da República foi quando as investigações da PF chegaram à empresa Kroll - que foi contratada por Dantas para investigar seus adversários. ¿Esse sempre foi último parágrafo da defesa do Dantas, que é um pobre banqueiro vítima de grupos do governo.¿ Segundo a Abin, Lacerda ¿teve uma reunião com o diretor-geral da PF para pedir muita atenção na investigação (Satiagraha), que era a maior, a mais complexa, que poderia dar mais trabalho. Ele fez essa observação ao sucessor dele (Luiz Fernando Corrêa). Jamais conversou com o presidente ou recebeu orientação do presidente sobre esse assunto. Ele não trata de investigações com o presidente¿.