Título: Classe A vacina menos seus filhos
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2008, Vida &, p. A22
No Sudeste, somente 68,9% dos bebês receberam todas as doses, diz estudo inédito; meta era atingir 95%
Fabiane Leite
Levantamento inédito realizado em todas as capitais revelou que na Região Sudeste do País menos de 70% das crianças com 18 meses de famílias da classe A receberam todas as doses de vacinas do calendário oficial, que combatem doenças como tuberculose, meningite, hepatite B, paralisia infantil e sarampo.
O índice de 68,9% de cobertura vacinal verificado no estrato mais rico e escolarizado da população dessa região ficou muito abaixo da meta de 95% de cobertura, segundo o Inquérito de Cobertura Vacinal, coordenado por pesquisadores do Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão, da Santa Casa de São Paulo, e financiado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana. O trabalho iniciado em 2007 foi apresentado na semana passada, durante o Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em Porto Alegre (RS), e é resultado da avaliação das carteiras de vacinação de 17.749 crianças no País.
O estudo, obtido com exclusividade pelo Estado, é considerado por especialistas uma das iniciativas mais importantes para o Programa Nacional de Imunização, por trazer dados reais das carteirinhas, considerados menos sujeitos a erros do que as estatísticas sobre vacinas feitas pelos governos e por clínicas privadas.
No geral, a cobertura das vacinas do calendário básico da criança foi de 81% no País. O estudo revelou ainda que Curitiba (PR) teve a melhor cobertura vacinal para crianças de todas as classes, 98%, situação oposta à de Macapá (AP) e do Recife (PE), que registraram as piores coberturas, no patamar dos 60%.
São Paulo e Rio também registraram coberturas que não são satisfatórias, segundo os pesquisadores: 83% e 75%, respectivamente. A margem de erro da pesquisa é de 2 a 3 pontos porcentuais.
Outro dado de destaque foram os baixos índices de cobertura da vacina contra a hepatite B, que registrou os piores resultados no País.
Coberturas heterogêneas de vacinas prejudicam o controle de doenças infecciosas e trazem o risco de reintrodução de males erradicados, como a poliomielite. O estudo, no entanto, comprovou a importância do Programa Nacional de Imunização, pois a maioria das crianças vacinadas recebeu os imunizantes pela rede pública.
DADOS INTRIGANTES
A parte qualitativa da pesquisa, que está em andamento, servirá para a busca de explicações para dados que intrigam os pesquisadores, como as baixas taxas de cobertura nas classes mais abastadas do Sudeste, onde as diferenças em relação a outros estratos sociais são mais significativas. No conjunto do País, a cobertura dos mais ricos e escolarizados também foi a pior.
Entre as explicações, cogitam os pesquisadores, estariam o medo dos pais de que as crianças sofram as raras reações adversas às vacinas.
¿Uma das lições que já tiramos disso é que não podemos ter um discurso homogêneo ao falar da necessidade das vacinas. A grande massa é atingida nas campanhas, só que há setores da população que não atingimos e necessitam de uma divulgação mais técnica. É preciso montar uma estratégia para isso¿, disse o epidemiologista José Cássio de Moraes, que coordenou o estudo.
Outra hipótese aventada pelos pesquisadores são as restrições à vacinação recomendadas por médicos que seguem especialidades médicas não hegemônicas, como a homeopatia. Representantes dos homeopatas negam.
Segundo Moraes, o estrato A do Sudeste corresponde às crianças de famílias cujos chefes possuem renda mensal de 20 salários mínimos ou mais, e 17 anos ou mais de escolaridade. Os pesquisadores chegaram até as crianças com base em dados do Censo 2000. Os setores censitários de cada capital foram estratificados segundo as condições socioeconômicas, e depois os pesquisadores foram às casas verificar as carteiras.
O problema da irregularidade das coberturas nas capitais já vinha sendo apontado nos dados colhidos pelo próprio ministério, mas novos números foram trazidos pela pesquisa.
Para o especialista, os resultados de capitais que tiveram coberturas ruins mostram a necessidade de os prefeitos, responsáveis pela execução de estratégias e programas de imunização, melhorarem seus serviços. ¿Mas é um momento complicado, de eleição, e os prefeitos talvez não estejam interessados nisso¿, diz o pesquisador.
O levantamento também destaca que a vacina contra a poliomielite (paralisia infantil) foi a que registrou as melhores coberturas, situação oposta à da vacina contra a hepatite B.
¿A vacina contra a hepatite B registrou a menor cobertura e as maiores taxas de abandono, ou seja, a criança não recebeu a 3ª dose.¿ Segundo Moraes, já há estudos em curso para que a vacina contra a hepatite B seja administrada junto com a tetravalente (contra difteria, tétano, coqueluche e meningite). ¿Seria uma vacina pentavalente.¿ O ministério informou que não comentaria os resultados apresentados. Já a Prefeitura de São Paulo disse desconhecer a avaliação. Procurada, a prefeitura do Recife não se manifestou.