Título: Na União Européia, cada um por si. E sem um plano para todos
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2008, Economia, p. B8

Governos adotam medidas locais de proteção, mas não conseguem elaborar pacote comum

Jamil Chade

Nos discursos, promessas de união eterna. Mas, na prática, cada um por si. Sem conseguir uma estratégia comum, a Europa vê uma proliferação de medidas unilaterais de governos para salvar bancos e depósitos. Ontem, a Itália anunciou que vai voltar a propor a idéia de um fundo de emergência diante da crise financeira que desembarcou com toda a força no continente nos últimos dias. Mas, com os alemães se recusando a pagar a conta de um plano europeu, o máximo que a UE conseguiu foi emitir um comunicado em que os países prometem ¿trabalhar em coordenação para garantir a segurança dos depósitos feitos pelos cidadãos¿, enquanto viam as bolsas desabarem por falta de confiança.

Nada menos que sete países do bloco anunciaram ontem medidas unilaterais para tentar retomar a confiança dos cidadãos. Em Londres, a bolsa caiu 8%, na pior queda da sua história em um só dia, com perdas de £ 92 bilhões. Em Luxemburgo, uma reunião dos ministros das Finanças não conseguiu chegar a um acordo sobre um plano e, enquanto isso, bancos apresentavam também ontem os primeiros resultados de estudos que mostram que a zona do euro já está em recessão. Só no Reino Unido, a crise deverá levar 1 milhão de pessoas a perder o emprego em 2008.

Ao contrário dos Estados Unidos, a zona do euro não conta com um governo único, apesar de ter moeda comum e taxas de juros que atingem a todos. No sábado, na cúpula promovida em Paris, a UE não chegou a um acordo sobre um pacote único para o bloco. A proposta era da França e da Holanda. Mas a Alemanha vetou a idéia.

Ontem, mais uma vez, os ministros se limitaram a fazer promessas de que vão atuar de forma coordenada. Os líderes europeus garantiram que vão proteger os depositantes de perdas na poupança e apoiar o sistema financeiro, para fortalecer a confiança dos mercados.

Na prática, a coordenação não passou de palavras. Os alemães seguiram o exemplo dos irlandeses e anunciaram que garantiriam os depósitos de seus cidadãos. Portugal, Espanha, Suécia e Dinamarca ainda aumentaram os seguros dos depósitos, o mesmo feito por Grécia e França. Já a Islândia suspendeu as transações de seis bancos diferentes. A Áustria anunciou que estava pensando em seguir os mesmos passos de Berlim, para evitar que os clientes dos bancos tirassem o dinheiro e colocassem em bancos alemães, garantidos pela chanceler Angela Merkel.

Mesmo vendo o euro cair aos piores níveis em 13 meses, os ministros de Finanças da UE não conseguiram chegar a um plano. Na Alemanha, as autoridades foram claras: não vão pagar pela estabilidade de outros. O ministro das Finanças, Peer Steinbrueck, afirmou ontem que o governo estava planejando um ¿escudo¿ contra a crise para todo o setor financeiro alemão e deixou claro que um ¿escudo europeu¿ estava fora de questão. ¿Rejeitamos porque não teremos controle do dinheiro e como o dinheiro alemão será usado.¿

Sem previsão de um pacote, as bolsas despencaram. Na Alemanha, a queda foi de 7,1%. Na França, de 9%, o pior índice em 20 anos. O mercado avaliou que as garantias isoladas de cada governo mostravam que não havia um acordo sobre o que fazer. O Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra injetaram mais US$ 60 bilhões no mercado.

Diante do caos, a Comissão Européia decidiu sair em defesa de um ação coordenada. ¿Precisamos de um ação coordenada para evitar decisões unilaterais que criariam efeitos negativos¿, disse o comissário de Economia da UE, Joaquin Almunia. ¿Temos de dar confiança a nossos cidadãos, melhorar a situação entre os bancos e reduzir a tensão.¿

O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, afirmou que Roma vai recuperar a idéia de um fundo europeu, que seria apresentada entre ontem e hoje aos ministros de Finanças da UE, em Luxemburgo. O fundo seria formado com 3% do Produto Interno Bruto (PIB) europeu. Mas a confusão chegou ao ponto de Almunia, ao chegar à reunião dos ministros, dizer que não sabia de nenhum plano italiano de criação de fundo no modelo americano.

¿Não estamos nem perto de um consenso sobre um fundo europeu¿, disse o ministro holandês de Finanças, Wouter Bos. Os holandeses foram os primeiros a defender um pacote. Para o ministro de Finanças da Espanha, Pedro Solbes, um fundo europeu seria ¿bem difícil¿ de ser implementado, já que a Europa não tem um orçamento federal. Já o ministro de Finanças do Reino Unido, Alistair Darling, fez um alerta para que os governos europeus parem de adotar medidas unilaterais para salvar bancos e cidadãos. Ele, assim como o Fundo Monetário Internacional (FMI), pede que o bloco adote um pacote comum para evitar a crise.