Título: Antroposofia e a busca da reeducação do corpo
Autor: Sant'Anna, Emilio
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2008, Vida &, p. A21

A consulta tem duração de uma hora. Além de questões sobre o histórico clínico e os sintomas que levaram o paciente até ali, o médico está interessado em desvendar a pessoa sentada à sua frente. Parece estranho, mas ele quer saber se o paciente é filho único, quais são seus ideais, se está satisfeito com o que está fazendo e como vai a vida afetiva. Depois disso, o temperamento pode ser classificado como colérico (impetuoso), sanguíneo (volúvel), fleumático (tranqüilo) ou melancólico (introspectivo). Às vezes, pode ser uma mistura de dois ou mais itens.

Tudo isso ajuda a explicar a atitude do paciente diante da vida, como seu organismo pode se comportar e as doenças que resultam desses fatores. Pelo menos é o que diz a medicina antroposófica, que se dispõe a tratar o paciente de forma holística, considerando sua relação com a natureza, a vida emocional e a individualidade. ¿A cura vem por meio da reeducação do organismo¿, diz o clínico-geral Samir Rahme, ex-presidente da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA).

Desde 1993, a forma de clinicar de Rahme é considerada como prática médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A origem, porém, vem de muito antes. Criada no início do século 20, na Suíça, é um ramo da Antroposofia - filosofia que une a ciência à espiritualidade, elaborada pelo austríaco Rudolf Steiner (mais informações nesta pág.).

A prática foi introduzida no Brasil em meados da década de 1960 e ganhou adeptos. Hoje, cerca de 600 médicos são filiados à ABMA, calcula Rahme, que em 28 anos de medicina antroposófica viu a procura de pacientes em seu consultório aumentar. ¿As pessoas que chegam aqui querem uma alternativa de tratamento. Não estão contentes com os métodos tradicionais¿, afirma.

Em julho de 2006, o Ministério da Saúde instituiu o Observatório das Experiências de Medicina Antroposófica no Sistema Único de Saúde (SUS). ¿O modelo biomédico tradicional tem esbarrado no tratamento das doenças crônicas, pois é preciso criar vínculos e fazer o acompanhamento dos pacientes. As práticas complementares têm a tecnologia necessária para isso¿, diz o sociólogo Nelson Filice de Barros, professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O lado ¿espiritual¿ é o responsável pela desconfiança do meio acadêmico e pela resistência em aceitar a prática como parte da medicina complementar. Rhame, no entanto, garante que sua especialidade tem um viés científico. ¿A medicina antroposófica é extremamente centrada e está longe de ter uma postura radical¿, diz.

A desconfiança, afirma, é resultado da falta de informação dos céticos sobre uma forma de tratar que retoma antigos conceitos da medicina.

Assim se torna mais fácil entender, por exemplo, que se você for um paciente ¿melancólico¿ - com mais dificuldade de extravasar seus sentimentos - estará mais propenso a problemas como depressão.