Título: Estudos com proteína fluorescente recebem o Nobel de Química 2008
Autor: Amorim, Cristina
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2008, Vida &, p. A20

A Academia Real de Ciências da Suécia concedeu ontem o Nobel de Química a três pesquisadores por seu trabalho com a proteína verde fluorescente (GFP, na sigla em inglês), uma das ferramentas mais utilizadas hoje no estudo de organismos vivos e que já gerou animais que ¿brilham no escuro¿, como porcos e camundongos.

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O japonês radicado nos Estados Unidos Osamu Shimomura, de 80 anos, e os americanos Martin Chalfie, de 61, e Roger Tsien, de 56, dividirão igualmente o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 3 milhões). Shimomura isolou a proteína de uma medusa do Oceano Pacífico, Chalfie a transformou em instrumento de pesquisa e Tsien permitiu que se popularizasse.

Hoje não há país que invista em ciência e não trabalhe com a GFP. A academia sueca comparou seu impacto à invenção do microscópio e afirmou que a proteína tem servido de ¿estrela-guia para bioquímicos, cientistas médicos e outros pesquisadores¿ na última década.

A GFP é usada para desvendar o desenvolvimento de neurônios, acompanhar o perigoso passeio de células tumorais pelo corpo, analisar os danos causados pelo Alzheimer e observar como células do pâncreas surgem em embriões. E esses são apenas alguns exemplos.

De forma geral, se é preciso checar para que serve um gene recém-descoberto, liga-se a ele o gene da proteína fluorescente para saber como será expressado. Se é preciso saber o destino de uma célula no organismo, ela carregará a proteína como marcador. Onde brilhar sob a luz ultravioleta, ali está a resposta.

¿Como identificar uma célula no meio de tantas? Com a GFP é só observar no tecido onde ela foi parar. É o jeito mais fácil de testar o desenvolvimento de um tratamento¿, explica o pesquisador João Bosco Pesquero, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O trabalho era citado como um dos favoritos ao prêmio. Mesmo assim, Shimomura disse ontem ter se surpreendido, ¿porque era apontado como candidato potencial ao Nobel de Medicina, não de Química¿. Ele não apenas isolou a proteína pela primeira vez na década de 1960, em parceria com seu colega Frank Johnson, como depois aprofundou o conhecimento sobre suas propriedades.

Shimomura, contudo, nunca imaginou a aplicação da GFP como marcador molecular. A percepção de que uma proteína brilhante e auto-suficiente seria útil no estudo de outros organismos vivos foi feita na década de 1980 independentemente por dois pesquisadores, o Nobel Chalfie e Douglas Prasher.

Prasher isolou o gene da proteína, mas não pôde avançar porque seu financiamento de pesquisa acabou. Foi Chalfie quem primeiro mostrou que esse gene poderia ser usado para marcar células nervosas no verme C. elegans, que brilhavam sob a luz ultravioleta.

A partir dali, a GFP começou a conquistar espaço. Seu sucesso cresceu com o trabalho de Tsien, que desmontou e remodelou a proteína para emitir outras cores. Com isso, ele tornou possível marcar mais de uma proteína ou célula em cada experiência, agilizando o trabalho no laboratório e transformando o material observado no microscópio em uma paleta festiva.

¿Sempre gostei de cores e essa era uma boa oportunidade (de trabalhar com elas)¿, disse Tsien. Sua motivação veio da busca por tratamentos do câncer. ¿Sempre quis fazer algo clinicamente relevante na minha carreira, se possível, e o câncer é o desafio definitivo.¿

Apesar do favoritismo, os três vencedores receberam a notícia na manhã de ontem com tranqüilidade. Tsien, que mora na Califórnia, foi acordado às 3h por um telefonema da Fundação Nobel. ¿Basicamente eu não sou mais esperto hoje do que eu era ontem¿, disse. Shimomura, que apesar da idade avançada passou o dia entre entrevistas e congratulações, foi modesto. ¿Meu papel foi apenas a descoberta da proteína. Mas estou feliz.¿

Chalfie só descobriu que era vencedor do prêmio ao entrar na internet de manhã, porque diminuiu o som do telefone. Ainda teve tempo de levar seu cachorro Bernie para passear de manhã antes de se tornar uma personalidade. ¿Você nunca sabe quando (o prêmio) vai vir ou se vai vir.¿