Título: O aperto de crédito e a taxa de juros
Autor: Carneiro, Dionísio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2008, Economia, p. B2

O aperto do crédito é razão suficiente para que o Banco Central (BC) mude a atitude da política monetária? Os acontecimentos das últimas semanas mostram que, quando estamos em emergência, os bancos centrais são parte da defesa civil, não da polícia. Reconhecer a diferença é crucial.

O mercado interbancário do País foi atingido. Além da falta de funding externo, os bancos menores perdem depositantes. Caminhamos, assim, a exemplo de todos os países, para a versão moderna de uma crise bancária clássica, daquelas que motivaram a existência de bancos centrais.

Em 8 de outubro, ocorreu um evento único. Sete dos principais bancos centrais do mundo fizeram um movimento coordenado de redução dos juros, apesar das taxas básicas não representarem, na crise, o custo de reservas como em tempos normais. No dia 9, outros seguiram o exemplo independentemente das estratégias de política monetária e da inflação projetada. Por quê? Para dar um sinal inequívoco de que desejam compensar a redução da multiplicação do crédito bancário suprindo moeda primária. Mais importante, porque o colapso do crédito ao setor privado, que está em andamento, vai provocar uma recessão sem precedentes, que se alastra pelos mercados mundiais interligados graças à comunicação em tempo real de nossa era.

Há, pois, uma mudança drástica de cenário. Em nome da necessidade urgente de agir par a minorar as perdas de emprego e de renda, ficam suspensos princípios de prudência que são valiosos em tempos normais: a preocupação com o risco moral, a moderação nas intervenções cambiais, o olho fixo na taxa de inflação de médio prazo e o princípio de Brainard de agir pouco quando os dados são incertos.

Momentos de estresse mostram os limites práticos de estratégias vitoriosas. As metas de inflação pressupõem ação preventiva e são mais do que apenas mover os juros segundo as projeções de inflação realizadas com a melhor técnica disponível. Comunicar com transparência os diagnósticos requer estar atento a mudanças de ambiente. Essa estratégia no Brasil, a exemplo do que foi conseguido em outros países, como Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália, Suécia, Canadá e Chile, tem fortalecido as instituições de política monetária e posto os bancos centrais a salvo das pressões do dia-a-dia dos políticos e dos mercados.

Há uma nova força dominante que requer resposta clara via redução dos juros: o encolhimento súbito e destruidor da oferta de crédito. No caso brasileiro, o mercado interbancário ainda funciona em condições de quase normalidade, apesar da onda de desconfiança que impede a não renovação de depósitos a prazo, especialmente nos bancos menores. Mas, como demonstram os movimentos da taxa de câmbio nas últimas semanas, não é suficiente ter um sistema de pagamentos moderno e transparente para a autoridade monetária, reservas abundantes e bancos sólidos e bem capitalizados, pouco alavancados em comparação com os congêneres de outros países e supervisionados segundo os melhores princípios internacionais para sustar uma crise de confiança. O BC pode agir com a mesma flexibilidade com que tem atuado no mercado de câmbio - suprindo os excessos de demanda provocados por mudanças súbitas de posição -, baixar a taxa de juros e aumentar as reservas livres do sistema bancário.

Felizmente, a inflação projetada está dando sinais de resposta mais rápida do que se imaginava há dois ou três meses, o que corrobora o acerto do aperto monetário ocorrido. Mas o desaparecimento do financiamento externo para a expansão do crédito ao setor privado, a prudência dos tesoureiros e a fuga ao risco já exercem um efeito contracionista bem além do que se pretendia com o aperto dos juros. Não se trata, pois, de expandir a demanda, mas de reconhecer que o efeito do sistema financeiro sobre a demanda global já é mais contracionista do que o que parece recomendável na conjuntura externa atual.

Por que baixar os juros quando há pressão sobre as reservas internacionais? Porque desapareceu a arbitragem de juros, diante do aumento rápido do prêmio de risco e de sua imprevisibilidade. Em conjuntura movida pelo medo, a paridade descoberta das taxas de juros é sobrepujada pela preferência pela liquidez e pela fuga ao risco exótico. Pode até haver alguma pressão adicional sobre o câmbio, mas o fortalecimento do sistema financeiro brasileiro é um fator de queda do prêmio de risco, o que provocará a queda dos juros de equilíbrio e a correção do overshooting da depreciação dos últimos dias.