Título: Problema com derivativos não ameaça o sistema financeiro
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/10/2008, Economia, p. B5

As operações de derivativos de empresas como Sadia, Aracruz e Votorantim, que perderam bilhões apostando que o dólar ia continuar caindo, não são o ¿subprime brasileiro¿, garante o ministro da Fazenda, Guido Mantega. ¿Essas são questões localizadas de algumas empresas, não há nenhum risco sistêmico¿, diz Mantega. ¿O problema não ameaça a saúde do sistema financeiro nem do sistema industrial - o que de fato falta numa crise como esta é liquidez, porque secaram fontes de recursos externos.¿ Segundo reportagem publicada na edição de ontem do Estado, economistas da Fazenda consideravam o estouro da bolha cambial como o ¿subprime brasileiro¿. Mantega disse que o governo está fazendo todo o possível para amenizar os efeitos da crise sobre a economia, principalmente oferecendo liquidez para que essas empresas possam absorver suas perdas. Ele ainda não vê ameaça inflacionária por causa da recente maxidesvalorização do real. ¿Passado este momento altamente especulativo e de alto estresse na economia internacional, o dólar caminhará para uma posição de equilíbrio, inclusive mais adequada do que antes dessa crise¿. Abaixo, trechos da entrevista de Mantega ao Estado.

O problema das empresas que fizeram operações com derivativos apostando que o dólar ia continuar caindo é o subprime brasileiro?

Não, essas são questões localizadas de empresas, não temos um problema no sistema financeiro. São empresas que fizeram apostas com o câmbio e se deram mal, porque o dólar caminhou na direção oposta. No subprime há uma questão de solvência no sistema financeiro. A grande diferença entre o sistema americano e o brasileiro é que os EUA caminharam em direção à desregulamentação - os cinco grandes bancos de investimentos faziam o que queriam, podiam alavancar até 40 vezes seu patrimônio, o que significava uma cobertura muito frágil para caso de inadimplência. No caso brasileiro, é um sistema muito menos alavancado, de menos de 10 para 1. No subprime, as instituições financeiras possuem ativos podres, que foram repassados para uma série de bancos, fragilizando todo o sistema. A solidez do Brasil advém do fato de que nós não temos nenhum problema de subprime, os bancos brasileiros têm carteiras sólidas.

Essas apostas cambiais apresentam uma ameaça sistêmica?

Não. As empresas apostaram que o dólar não ia subir e perderam. Na sua maioria, são empresas sólidas que conseguem absorver esses prejuízos, desde que tenham liquidez. Então isso é o que o governo está fazendo: dando liquidez. Não é subprime porque são empresas, não é o sistema financeiro, não tem impacto sistêmico. Elas terão alguma dificuldade, mas logo procuraram resolver o problema: a Sadia assumiu o prejuízo e tinha caixa para pagar, a Aracruz está em vias de fazer isso e a Votorantim quitou as operações de câmbio.

Existia alguma coisa que o governo pudesse ter feito para evitar esse problema, faltou regulamentação?

Não faltou regulamentação. O governo fiscaliza e regulamenta as operações bancárias, vigia se os bancos estão dentro das regras de Basiléia. No mundo inteiro, não dá pra fiscalizar todas as empresas. Um empresário pode assinar um contrato com outro estabelecendo que, que se amanhecer chovendo, ele vai pagar tanto. É a economia de mercado. O problema não ameaça a saúde do sistema financeiro nem do sistema industrial. O que de fato falta numa crise como esta é liquidez, porque secaram fontes de recursos externos, então o governo está atuando nessa ponta.

Qual é o tamanho desse problema cambial?

A Cetip tem registrado o volume de operações com derivativos, que era de R$ 58 bilhões na sexta-feira. Isso não quer dizer que é tudo perda, algumas têm vencimento muito mais longo e até lá o dólar pode ter caído de novo. Sabemos que apenas US$ 10 bilhões têm vencimento de curto prazo, de 30 dias. Quem se precipitou e fechou operação quando o dólar deu um sobressalto para R$ 2,50 teve grande perda. É um momento de volatilidade, não pode haver precipitação.

O sr. acha que o câmbio volta para o nível pré-crise?

O câmbio é flutuante, ele estava em um patamar inadequado que não refletia a situação das contas externas brasileiras, quando estava a R$ 1,55 , R$ 1,60. Mas ele tende a ficar menos desvalorizado do que está, tende a voltar para um patamar de maior equilíbrio. Os mercados estão exagerando, eles fazem isso em momentos de crise, e depois se corrigem.

Há dois meses o dólar estava em R$ 1,55 e agora chegou a cerca de R$ 2,20. Isso equivale a uma maxidesvalorização.

Como o governo vai lidar com essa pressão inflacionária?

Estamos em um momento de muita volatilidade, não dá pra dizer que o dólar se estabilizou nesse patamar. E é importante dizer que o fluxo cambial é positivo no País mesmo neste momento. Por outro lado, o real é uma das moedas que mais se valorizaram nos últimos tempos, então é razoável que ela apresente uma desvalorização maior. Passado esse momento altamente especulativo e de alto estresse na economia internacional, o dólar caminhará para uma posição de equilíbrio, inclusive mais adequada do que antes dessa crise.

Ontem, o sr. mencionou a necessidade de políticas anticíclicas para que os emergentes não parem de crescer. Que tipo de medida o sr. tinha em mente?

Política anticíclica é manter o nível de investimentos, dar sustentação para os vários projetos de investimentos que estão na iniciativa privada e no setor público, manter a taxa de juros baixos para esses investimentos (TJLP). E preservá-los no orçamento.

E flexibilizar o superávit fiscal?

Não. Não há necessidade.

O sr. diz que o Brasil, por causa da crise, vai desacelerar de forma moderada, para 4% ou 4,5% no ano que vem. Com isso podemos ter uma queda na arrecadação de impostos. Como o sr. pretende manter o mesmo superávit fiscal?

Acho que a arrecadação vai ficar em linha e é claro que podemos fazer cortes de custeio no orçamento do ano que vem, se for necessário. Nós pretendemos repetir no ano que vem o superávit primário de 2008, de 4,3%.

A transformação do G8 em um G11, com a participação do Brasil, China e Índia, está próxima de se tornar realidade?

As condições exigem essa mudança. A ida do presidente George W. Bush ontem à reunião do G20 é sinal de que todos os países devem estar envolvidos na resolução desta crise. Portanto o G7 não é suficiente.