Título: Maçonaria não é uma entidade superpoderosa
Autor: Tosta, Wilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Nacional, p. A19

Uma sociedade carbonária secreta, que comandou uma conspiração internacional geradora de revoluções anticlericais e movimentos pela liberdade na Europa, América do Norte e Brasil. Isso é tudo o que a maçonaria jamais foi, diz o historiador e jornalista Marco Morel, autor, com a também historiadora Françoise Jean de Oliveira Souza, do livro O Poder da Maçonaria - A História de uma Sociedade Secreta no Brasil, que será lançado no dia 17 no Rio. Na obra, Morel também desfaz com a colega mitos cultivados pelos maçons sobre sua própria origem. São lendas imersas em mistério, misturando o rei Salomão, os pitagóricos, a Ordem dos Templários e até o Antigo Egito - nada comprovado historicamente, diz o historiador. ¿Parece mais enredo de escola de samba¿, ironiza. Em entrevista ao Estado, Morel afirma que, despida do protagonismo político que teve no passado, a maçonaria é hoje uma organização com finalidades basicamente filantrópicas e de rede de relacionamento.

A maçonaria é envolta em lendas. No Brasil, diz-se que teria teria sido decisiva na Independência. O que há de verdade nisso?

Na verdade, a maçonaria é mais um determinado estilo, uma forma de se organizar, com ritos e símbolos, apropriado em vários lugares do mundo. Não é uma entidade superpoderosa, possante, centralizadora e oculta que decide os destinos da humanidade. Isso realmente é uma lenda, que foi em geral criada pelos inimigos da maçonaria, como forma de atacá-la, e muitos maçons incorporam isso, como forma de se valorizar. Isso se aplica a tudo, inclusive à história do Brasil. Então, foi um espaço importante de articulação e de preparação para a Independência. Mas não se pode dizer que foi a maçonaria que fez a Independência, e sim que o espaço maçônico foi usado para articular a Independência, junto com outros espaços, que não eram maçônicos.

Em que moldes ideológicos se deu essa articulação?

Os maçons (do Brasil) são pessoas oriundas do chamado Império Luso-Brasileiro. Então, é esse grupo que vai se apropriar do espaço maçônico e vai fazer esse projeto de uma Independência mantendo a monarquia, a dinastia de Bragança no poder e criando um Estado nacional que se construía de maneira centralizada. Foi esse projeto que prevaleceu. E a maçonaria foi um espaço de elaboração, de articulação para esse projeto.

A maçonaria ¿sufocou¿ a idéia de uma Independência republicana?

Sem dúvida. Não foi só a maçonaria, mas ela foi uma forma de organização que permitiu que se fizesse a Independência da forma como foi feita, sufocando a idéia republicana ou um liberalismo que fosse mais participativo. Na verdade, o espaço maçônico era um espaço de disputa, de embate. Os chamados republicanos da época e outras tendências também estavam no espaço maçônico, disputando. Só que eles perderam para esse grupo que manteve a hegemonia, que era ligado a D. Pedro I e José Bonifácio, com outro perfil.

E como ficou a maçonaria depois da Independência?

Na medida em que o Império se consolidou, embora tenha continuado um espaço de embates, ela teve sempre uma tendência de estar alinhada com o projeto hegemônico do Império, pelo menos até os anos 1860. De um modo geral, os grandes nomes do Império, como Duque de Caxias, Visconde de Uruguai, vários deles sem dúvida eram maçons, eram grão-mestres.

A maçonaria sempre cultivou lendas sobre suas origens - rei Salomão, antigo Egito, templários -, mas seu nascimento é bem mais recente, não?

Historicamente, a gente pode comprovar que existiam as corporações de ofício da Idade Média e em dado momento, já no começo do século 18, elas, como dizem, passaram de operativas a simbólicas, passaram a usar aquilo como uma simbologia e não como um ofício em si. Mas os maçons são muito férteis em inventar outras narrativas de origem, os antropólogos chamam de mitos de origem. E uma pessoa que não está habituada a uma reflexão histórica embarca facilmente nesse tipo de coisa, fazendo ligação com os templários, com Rosacruz, com o Egito antigo, com Salomão... Isso parece mais um enredo de escola de samba.

A maçonaria teve seu auge no Império e depois decaiu?

Não sei se decaiu. Mas mudou de perfil. Deixou de ter atuação mais direta na cena política e passou, a partir de meados do século 20, a atuar na base da ajuda mútua e da filantropia, ligada a entidades semelhantes, não-maçônicas. Então, ela pode privilegiar mais as redes de relacionamento interpessoais, de ajuda mútua e filantropia.

No século 20, a maçonaria participou de episódios mais próximos, como 64?

O que a gente pode perceber é que a maçonaria não teve uma participação de ponta, mas pelo menos os altos escalões, os dirigentes maçônicos, deram apoio efetivo ao golpe de 64, apoiavam a repressão, o combate ao comunismo internacional, todo o discurso da ideologia de segurança nacional. O que na verdade é uma contradição com essa tradição maçônica de liberdade de consciência etc.