Título: Haiti expõe fraqueza da ONU civil
Autor: CharleauxJoão Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Internacional, p. A28

O Conselho de Segurança da ONU decidirá até quinta-feira, em Nova York, se prorroga ou não a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) por mais um ano. A decisão chega num momento de avaliações mistas, no qual a ONU celebra conquistas militares, mas teme fracassos na área civil que ponham em dúvuda a validade dos quatro anos de missão e o investimento de US$ 2,5 bilhões no país.

¿O sistema das Nações Unidas não tinha enfrentado ainda uma crise como essa do Haiti e não conhece ainda uma forma de sair dela¿, disse Ricardo Seintenfus, que foi consultor do governo brasileiro para a questão haitiana, esteve cinco vezes no país e atualmente é vice-presidente da Comissão Jurídica Interamericana da OEA. ¿Como vamos retirar os militares e permanecer com os civis? Essa é a grande pergunta hoje.¿

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, já expressou apoio à prorrogação do mandato da Minustah e sugeriu que não seja alterado o perfil militar da missão, enquadrada, desde o início, no Capítulo 7 da Carta da ONU, que determina a imposição da paz por meio do uso da força.

Há hoje 2,5 milhões de haitianos passando fome, número quatro vezes maior que em 2007. Os alimentos produzidos no país só são suficientes para a metade da população. Apesar do discurso e da boa vontade, as doações internacionais de alimentos atendem a apenas 5% do consumo interno. O restante é importado, o que eleva sem parar o déficit da balança comercial do país, que já consome 2,5% do PIB.

A barbaridade do sistema prisional haitiano choca até funcionários humanitários mais experientes. Enquanto a ONU recomenda o espaço de 2,5 metros quadrados por preso, no Haiti, esse espaço é de 0,5 metro quadrado.

Em julho de 2008, havia 7.530 presos em 17 penitenciárias. Destes, 83% são mantidos sem julgamento, classificados como sob ¿prisão preventiva¿.

Os haitianos não sentirão melhora sensível nos próximos anos. Os doadores internacionais só enviaram 15% dos US$ 170 milhões pedidos pela ONU depois do último furacão. A situação é caótica. Hoje, há 4 mil ONGs atuando no Haiti, mas apenas 427 delas estão registradas. ¿As coisas demoram bastante, caminham em um ritmo muito lento, muito aquém do desejado por eles (ONU), por nós e pela comunidade internacional¿, disse o embaixador brasileiro na capital, Porto Príncipe, Igor Kipman.

Segundo ele, um dos motivos do fracasso do braço civil das Nações Unidas no Haiti é sua própria ¿falta de agilidade e a burocracia¿, além de seu funcionamento ¿pesadíssimo¿. O brasileiro Luiz Carlos Costa, assessor do representante do secretário-geral da ONU no Haiti, discorda. ¿Os projetos estão muito bem encaminhados, já que o horizonte de solução desses problemas é de três a cinco anos. O processo civil é menos visível (que o militar)¿, disse.

SEM VOTO

O Brasil não terá direito a votar sobre a renovação do mandato da Minustah, já que não é membro permanente do Conselho de Segurança, integrado por 15 países, sendo permanentes apenas China, França, Rússia, Grã-Bretanha e EUA.

Mesmo assim, diplomatas brasileiros anunciaram que farão pressão tanto pela prorrogação da missão por mais 12 meses quanto pela manutenção do Capítulo 7, para que, em seguida, tentem mudar a composição das próprias tropas, enviando mais engenheiros e menos fuzileiros a partir de agora.

¿Não precisamos de combatentes para ensinar criança a escovar os dentes. Temos 900 combatentes fazendo ações cívico-sociais, como distribuição de alimentos e construção de latrinas¿, afirmou Kipman.

A Minustah foi responsável pelo maior deslocamento de tropas brasileiras para o exterior desde a 2ª Guerra. Dos 6.952 militares de 18 países presentes no Haiti em agosto, 1.213 eram brasileiros. Os policiais estrangeiros no país, porém, não chegam a 2 mil, sendo apenas 3 deles brasileiros. O Brasil também exerce o comando militar da Minustah desde 2004 e deverá seguir nesse papel caso a missão seja prorrogada nesta semana.