Título: Vender não significa que se vai receber
Autor: Cruz, Renato; Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Economia, p. B8
Maior fabricante da América Latina de filmes plásticos usados em embalagens pelas indústrias de alimentos e bebidas, a Vitopel sentiu na semana passada o tranco nas linhas de crédito. Dona de um faturamento de US$ 380 milhões, duas fábricas no Brasil e uma na Argentina e tendo em sua carteira de clientes gigantes como Nestlé, Unilever e Kraft Foods, a empresa viu as operações de crédito para capital de giro secarem.
A saída, conta Dirceu Varejão, diretor-comercial, foi reduzir prazos dos clientes para pagar as compras e ampliar os prazos com fornecedores. Além disso, a companhia só está vendendo o necessário e redobrou a cautela. ¿Hoje o fato de você vender não significa vai receber¿, diz Varejão. A seguir, trechos da entrevista.
O que mudou no dia-a-dia da empresa com a crise financeira?
A primeira dificuldade é a obtenção de linhas de crédito. Até dez dias atrás a liquidez estava muito boa e os custos eram competitivos. Hoje, quando se encontra crédito, os custos são bastante altos. A linhas de crédito como vender, muito usado por nós, estão suspensas desde segunda-feira. A operação de venda é regida por um contrato, fechado com o cliente e o banco, no qual o banco paga essa operação à vista para o fornecedor e dá um prazo de 30 a 45 dias para que o cliente quite a fatura. O meu cliente paga compra no momento do vencimento da fatura e eu recebo antecipadamente pela venda. Trata-se de uma operação comercial que reduz a necessidade de capital de giro da companhia.
O que a empresa fez para compensar o fim dessas operações?
Estamos negociando com fornecedores e clientes para obter melhores prazos. Estamos tentando reduzir os prazos de recebimento dos nossos clientes em 15 dias, em média, e aumentar os prazos de pagamento dos nossos fornecedores na mesma proporção.
A empresa está tendo sucesso?
Está difícil porque os clientes estão com o mesmo problema. Como não há linhas de crédito, eles têm dificuldade para obter capital de giro. A restrição de crédito está pegando a cadeia toda. E, até que esse mecanismo volte ao normal, nós decidimos faturar apenas o que o cliente precisa efetivamente para rodar hoje e amanhã. Antes a programação de vendas era para três meses. Agora é para a semana. É da mão para a boca.
O que é mais fácil: alongar os prazos com fornecedores ou reduzir com os clientes?
Alongar com os fornecedores porque eles são empresas de grande porte e têm acesso a financiamentos externos com mais facilidade. Trabalhamos com petroquímicas, como Quattor e Brasken, por exemplo.
A empresa ficou mais seletiva nas vendas?
Sim. Hoje, o fato de você conseguir vender não significa que vai receber. A liquidez deu uma tal enxugada que algumas empresas que estão muito alavancadas poderão ter sérios problemas de fluxo de caixa no curto prazo. O nosso cuidado está muito mais na seletividade da venda, mas não estamos deixando nossos clientes sem produto.
Vocês tem pressão de custos e vão aumentar os preços em quanto?
Reajustamos as tabelas a partir da última segunda-feira, em 15%. O dólar médio de R$ 2,20 é uma pressão muito grande. Hoje a grande maioria das matérias-primas que usamos para a produção de filmes plásticos é importada ou tem o câmbio como balizador de preço. O dólar subindo, mesmo com a previsão de queda dos produtos petroquímicos que deve ocorrer nos próximos meses, a pressão é de alta. A questão é saber o nível no qual o câmbio vai se estabilizar.
Como os clientes estão aceitando os aumentos de preços?
Está difícil. Há contratos que foram fechados no último trimestre para produtos que serão entregues na Páscoa de 2009. Esses acordos certamente terão de ser rediscutidos.
Como vocês trabalham com matéria-prima cotada em dólar, fizeram hedge (proteção)?
Não porque não era um cenário de alta do câmbio que se desenhava para o final do ano.
Qual era a previsão do dólar para dezembro de 2008 antes da crise?
Dólar de R$ 1,65 a R$ 1,70, no máximo.
Vocês chegaram a paralisar a produção?
Estamos estudando a possibilidade de fazer algumas paradas pontuais. Temos duas fábricas no Brasil e uma na Argentina. A situação da Argentina é preocupante porque a economia vem sendo desaquecida desde o início de maio. Seguramente, toda essa crise financeira terá um rescaldo maior lá. Por isso, vamos reduzir a produção naquele país em 20% a partir de segunda-feira.
E no Brasil?
Se o cenário não melhorar, não houver um arrefecimento do câmbio e não tivermos uma visão mais clara de quanto isso afetará a demanda interna, vamos tomar a decisão de fazer paradas estratégicas de 10 a 15 dias nos próximos meses.