Título: Disparada do dólar paralisa empresas
Autor: Cruz, Renato; Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Economia, p. B8

A alta assustadora do dólar na semana passada paralisou a indústria e o comércio. Sem parâmetros de onde a moeda americana poderia chegar, as empresas evitaram colocar pedidos de compra e venda. Para piorar a situação, os bancos restringiram as linhas de crédito para capital de giro e para o comércio exterior. Várias empresas anunciaram férias coletivas na tentativa de ganhar tempo até que o mercado se estabilize. Em apenas uma semana, o dólar subiu 13,5% e fechou cotado na sexta-feira a R$ 2,32.

¿Infelizmente, mais uma vez, a economia real foi totalmente contaminada pela economia financeira. Há uma crise de crédito mais ampla, porque um banco não acredita em outro¿, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O setor eletroeletrônico é um dos mais afetados pela crise porque depende do crédito para que os seus produtos cheguem ao consumidor e a maior parte da sua matéria-prima é importada.

O medo de ter as margens de lucro reduzidas por causa da alta do dólar fez com que muitas indústrias paralisassem a produção e as vendas. O pólo de Manaus (AM) é um exemplo de como o câmbio prejudicou a vida das empresas. Segundo a secretária geral do Sindicato dos Metalúrgicos da Manaus, Dulce Sena, pelo menos oito das maiores empresas dos setores eletroeletrônico e de motocicletas decretaram férias coletivas para 15 mil trabalhadores entre os dias 20 e 30 deste mês.

¿Todas empresas apontaram a crise como o motivo da paralisação¿, diz Dulce. Ela observa que, entre oito companhias, estão as fabricantes de motos Yamaha e Honda, sendo que esta última nunca deu férias coletivas. ¿A preocupação maior é que cada fabricante de moto tem mais de uma dezena de fornecedores e as férias coletivas podem criar um efeito de paralisação em cascata.¿

Além de interromper a produção, a indústria decidiu colocar o pé no freio na comercialização dos produtos. ¿Estamos vendendo hoje só o que temos no estoque e o que tem rentabilidade. Pedidos para novembro e dezembro, nem pensar¿, afirma uma fonte do setor industrial, acrescentando que não está concedendo desconto algum sobre os preços de tabela.

Segundo Barbato, da Abinee, alguns fabricantes decidiram dolarizar seus preços para não terem de deixar de vender. ¿Eles estão repetindo fórmulas usadas em períodos de inflação galopante.¿

Temendo reajustes e falta de produtos para o período de Natal, varejistas agem no sentido oposto e tentam ampliar os estoques. ¿Estamos aumentando os estoques para termos garantia de preço e mais tranqüilidade para o fim do ano¿, diz Rodolfo França Jr., diretor Comercial das Lojas Insinuante, a maior rede de varejo de móveis e eletroeletrônicos do Nordeste.

A preocupação com o câmbio na última semana não criou problemas somente para quem produz e comercializa bens duráveis. Nos supermercados, a parada dos negócios foi sentida nos itens trazidos do exterior, tanto supérfluos como básicos. ¿Os atacadistas suspenderam a venda de produtos importados porque não conseguiram fechar o câmbio. Há um certo travamento das operações¿, afirma o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda.

Além dos importados sofisticados, o presidente da Abras está preocupado com a elevação de preços de produtos básicos, como o trigo. ¿Os derivados do trigo, que vinham ficando mais baratos, vão voltar a subir.¿ Segundo o vice-presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo, Christian Saigh, a farinha de trigo ficará entre 15% e 20% mais cara este mês por causa do dólar e deve ter impacto nos derivados.

Até as cervejarias já sondam os varejistas sobre a receptividade de reajustes. Segundo fontes do mercado, a AmBev teria procurado na semana passada o Wal-Mart preparando o terreno para elevar preços por causa da pressão de custo do dólar sobre as matérias-primas, como malte, lúpulo e alumínio. A rede varejista teria procurado apoio em concorrentes da AmBev para rechaçar os reajustes, mas não teria obtido sucesso.

Mesmo as empresas como a Nokia Siemens, fabricante de equipamentos de infra-estrutura de telecomunicações, que ainda não sentiram o impacto direto do câmbio, estão preocupadas com o que poderá ocorrer com a demanda em 2009. ¿A grande dúvida é sobre o investimento das operadoras para o ano que vem¿, afirma Aluizio Byrro, presidente do Conselho para América Latina da empresa. Segundo o executivo, a empresa tem hoje em seus contratos uma cláusula cambial que a protege das oscilações.