Título: Brasil já passou por várias desvalorizações
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Economia, p. B9
Episódios são ajuste à menor disposição do mundo de financiar o déficit externo brasileiro
A perda de quase 33% do valor do real desde agosto já atingiu proporções compatíveis com as chamadas maxidesvalorizações do passado, como a ocorrida em fevereiro de 1983, quando o então cruzeiro se desvalorizou em 30%.
No passado recente, a desvalorização mais violenta, em termos de rapidez e intensidade, ocorreu em janeiro de 1999, quando o regime de câmbio fixo chegou ao seu fim caótico. O real perdeu 44% do valor em menos de dois meses, passando de R$ 1,21 em janeiro para R$ 2,17 em março.
O termo maxidesvalorização foi originalmente usado para desvalorizações planejadas pelo governo, e feitas de uma vez só, em regimes de câmbio fixo, como a de 1983, sob a inspiração do então ministro do Planejamento, Antonio Delfim Netto. A palavra pode ser estendida também para desvalorizações relâmpago, como a de 1999, na qual o real perdeu 39% do valor em menos de um mês. Na atual turbulência, a moeda brasileira perdeu 32,8% em pouco mais de dois meses, e 21,5% em 15 dias. Para muitos economistas, não é exagero falar-se em máxi.
Em comparação, a violenta desvalorização de 2001 foi um pouco mais lenta, e o episódio ainda pior de 2002 chegou perto, mas não alcançou o ritmo das últimas semanas e dias (mas, naquele caso, a desvalorização total atingiu 43%).
Quase todos esses episódios de grandes desvalorizações obedecem a um certo roteiro comum. Fazem parte de um ajuste do País a uma situação na qual o financiamento externo já não se mostra à altura do déficit em conta corrente, que é a diferença entre o que se produz (e, portanto, o que se tem de renda) e o que se consome e investe. Os principais componentes da conta corrente são a balança comercial e as remessas de juros e dividendos.
Esses ajustes são dolorosos e politicamente antipáticos. No fundo, o que ocorre é que os salários no País ficam relativamente mais baratos (pelo encarecimento dos produtos e insumos em dólar), reforçando a competitividade tanto das exportações quando dos produtos que concorrem com as importações. Na prática, ou o País aperta os juros para evitar a inflação, e a economia desacelera, ou o ganho da desvalorização se perde na alta dos preços.
No caso atual, porém, o mercado ainda está tão caótico que é prematuro dizer que essa desvalorização é o início de uma reação da economia para eliminar o déficit em conta corrente (que já se aproxima de 2% do PIB), num novo cenário global de mais aversão a risco e menos disposição de financiar emergentes. Mas não dá para descartar essa hipótese.