Título: Câmbio vai piorar PIB e inflação
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Economia, p. B9

A maxidesvalorização do real nas últimas semanas, que atingiu 32,8% na comparação do fechamento da sexta-feira (R$ 2,32) com o ponto recente de maior valorização (R$ 1,56, no início de agosto), aumenta o risco de um cenário em 2009 que combine forte desaceleração econômica com alta da inflação. Para um governo inebriado pela popularidade advinda do espetacular aumento de consumo das camadas populares, não é nada animador.

No centro do furacão, trabalhando para minimizar os danos, estará o Banco Central (BC), em um dos seus momentos mais difíceis desde a introdução do sistema de metas de inflação, em 1999. Nas próximas semanas e meses, o BC terá de decidir se relaxa a política de juros, para evitar o contágio no Brasil da crise bancária sistêmica do mundo rico e para atenuar a desaceleração da economia, ou se prossegue no aperto, para se prevenir contra a inflação.

De um lado, em meio à pior turbulência financeira global do pós-guerra, com uma dramática contração do crédito em curso, riscos de uma devastadora recessão mundial e, principalmente, problemas de liquidez bancária no Brasil, tudo indica que é hora de aliviar a política monetária, cortando a taxa básica de juros, a Selic.

Do outro, o impulso inflacionário ainda pega uma economia muito aquecida e pode se transmitir aos preços, jogando a inflação bem para cima da meta anual de 4,5% - mesmo levando em conta o impacto desinflacionário da desaceleração e da queda internacional do preço das commodities. Se fossem tempos normais, o BC tenderia a acelerar ou prolongar a alta da Selic nessa situação.

A maior parte do mercado financeiro está pendendo para a visão de que a atual crise vai interromper ou atenuar o ciclo de alta de juros. Para Roberto Padovani, estrategista do WestLB, que defende essa posição, ¿o fato de haver uma desaceleração em curso, commodities em queda e uma boa chance de que o dólar recue dos níveis atuais compensa o efeito inflacionário do câmbio¿.

Mas essa não é uma opinião unânime. Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e ex-diretor do BC, acha que o atual choque terá uma resultante final inflacionária, já que o aperto de liquidez e a piora dos termos de troca no comércio internacional brasileiro vão condicionar um real mais desvalorizado, com impactos nos preços. Em relatório divulgado durante a semana, ele prevê que o ciclo de alta da Selic se estenderá até o primeiro trimestre de 2009 e levará a taxa básica até 15,75%.

Até o estouro da crise financeira, há duas semanas, a visão unânime do mercado era de que o BC prosseguiria no ciclo de alta da Selic iniciado em abril e levaria os juros dos atuais 13,75% até um nível máximo entre 14,5% e 15% no fim do ano. A razão fundamental era o descompasso entre o crescimento de 8% anuais da demanda e a capacidade de resposta da oferta, o que criou pressões inflacionárias. Na verdade, as apostas já tinham recuado levemente nos últimos meses, com o agravamento das condições financeiras internacionais.

Depois que o cenário deteriorou-se definitivamente, uma das primeiras vozes a prever a interrupção da alta da Selic já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, nos dias 28 e 29, foi a de Nilson Teixeira, economista-chefe do Crédit Suisse. ¿Nos parece inadequado se apertar mais a política monetária neste momento, o que iria piorar a liquidez no sistema¿, ele diz.

Teixeira observa que um dos principais canais da política monetária - isto é, a forma como a alta dos juros segura a inflação - é o crédito, e este já está se contraindo e encarecendo por causa dos efeitos no Brasil da crise internacional. ¿A reação no mercado de crédito já foi muito maior do que qualquer um poderia imaginar que se alcançaria com alta da Selic¿, acrescenta o economista.

Alexandre Pavan Póvoa, diretor da Modal Asset Management, não tem dúvidas de que o choque atual significa mais inflação e menos crescimento em 2009. Ele explica que, pelo lado do controle da inflação, um câmbio que permaneça entre R$ 2,10 e R$ 2,15 (mesmo supondo, portanto, um recuo do nível da sexta-feira) vai elevar a inflação em 2009, mesmo com a desaceleração e a queda das commodities.

Por outro lado, Póvoa lembra que uma função primordial do BC é manter a integridade do sistema financeiro. ¿A essa altura do campeonato, com o risco sistêmico cada vez mais acirrado, apertar os juros talvez seja colocar mais gasolina da fogueira¿, ele diz.

Uma dificuldade adicional do BC é que ninguém sabe onde o dólar vai parar e não se descarta até que possa sofrer grandes recuos nos meses à frente. Andrei Dudus Spacov, economista da Gávea Investimentos, no Rio, observa que há muitas dúvidas quanto à duração da atual desvalorização e qual será o nível do real quando os mercados se acalmarem. ¿Quanto mais durar esse nível maior de desvalorização, maior será o impacto inflacionário¿, ele diz.

Rodrigo Azevedo, sócio da JGP Gestão de Recursos, no Rio, acrescenta que é difícil estimar a duração. ¿O fato de haver flutuações de um dia para o outro de 5% ou 6% é um claro sinal de que o processo de formação de preços está disfuncional.¿