Título: A histórica greve da PM de 1961
Autor: Godoy, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2008, Cidade/Metropole, p. C6

A greve da Polícia Civil foi retomada anteontem, apesar de governo e associações ensaiarem uma negociação, após três semanas de paralisação. A trégua durou 48 horas, antes que voltassem os problemas para a população registrar boletins de ocorrência, os protestos na Assembléia e as passeatas de delegados. A paralisação, inédita, incomoda, mas o que realmente preocupa a cúpula da Segurança é a simpatia da Polícia Militar aos grevistas.

O receio da quebra da hierarquia e da disciplina está documentado no Plano de Contingência da PM feito para esta crise. Os oficiais foram orientados a mostrar aos subordinados ¿as conseqüências penais e administrativas que podem ocorrer caso haja qualquer manifestação de apoio¿ à greve dos civis. Uma paralisação da PM não é coisa inédita. As imagens históricas, quase todas do fotógrafo Reginaldo Manente, mostram o movimento de oficiais e praças da antiga Força Pública de São Paulo, que se sublevaram em 13 de janeiro de 1961, após a Assembléia Legislativa lhes recusar o aumento dos salários. Naquele dia, uma bandeira preta foi hasteada no quartel dos bombeiros, na Praça Clóvis Bevilacqua, no centro. Era a senha para o movimento, que contou com a participação de oficiais do Regimento de Cavalaria, que se recusaram a prender colegas, e dos batalhões de radiopatrulha - o 2º e o 12º. O motim foi controlado por tropas do Exército, sob o comando do general Artur da Costa e Silva - o futuro presidente da República dirigia a 2ª Região Militar.

O Estado procurou participantes daquele movimento para saber o que eles pensam da atual situação da PM e por que hoje um movimento como aquele não ocorre - o último motim por salários na polícia aconteceu há 20 anos, em fevereiro de 1988, atingindo o 7º e o 11º Batalhões, e foi controlado pelo coronel Ubiratan Guimarães, assassinado em 2006. ¿A situação naquela época era mais dramática. A tropa passava fome e nosso salário era menor do que o dos delegados¿, disse um dos líderes do movimento, o então tenente Bruno Éboli Bello, hoje coronel da reserva da PM. Éboli liderou a marcha dos bombeiros do quartel da Praça Clóvis à sede do governo estadual, no Palácio Campos Elísios. Parou diante do portão fechado da ala residencial, que abrigava o governador Carvalho Pinto.

¿Queria entrar, mas o general Costa e Silva me apanhou pelo braço e disse com voz enérgica: `Tenente, ponha a tropa em forma, antes que a gente tenha de tomar providências¿. Ele estava com o bastão de comando e óculos escuros¿, contou. O general deu dois minutos para os policiais se retirarem. Do contrário, seriam ¿varridos à bala¿. Cerca de 500 homens do 2º Regimento de Reconhecimento Mecanizado (RecMec) Anhangüera e da Polícia do Exército acompanhavam o general. Traziam blindados M-3, canhões e metralhadoras.

Uma coluna de policiais e bombeiros desarmados foi feita e seguiu como prisioneira pela Avenida São João até a Praça Clóvis, sob escolta dos M-3. De lá, os oficiais revoltosos foram agrupado em ônibus, que os levaram à prisão, no Forte Itaipu, em Santos. ¿Muitos oficiais se apresentaram presos aos comandantes. A Força Pública sempre foi leal ao governador, mas a fome quebrou a lealdade¿, disse o coronel Jayr Benedito Conte. Meses depois, todos foram anistiados pelo Congresso.

Muitos dos rebeldes, como Bruno Éboli, Raul Humaitá Vila Nova e Hélio Guaicurus, exerceram funções importantes na PM nos anos 70. Éboli chefiou a 2ª Seção do Estado-Maior da PM (serviço de informações) de 1974 a 1976. Conte se tornou assessor especial do presidente João Figueiredo, o último do regime militar. Vila Nova foi secretário da Casa Militar de 1971 a 1974 e Guaicurus ocupou a chefia do Estado-Maior da PM . ¿Dificilmente isso ocorreria hoje, pois o governo negociou e apresentou uma proposta que pacificou a PM¿, disse o presidente do Clube dos Oficiais da Reserva, coronel Hermes Bittencourt Cruz.