Título: A reunião de US$ 250 bilhões
Autor: Landler, Mark; Dash, Eric
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2008, Economia, p. B13

Os diretores-executivos dos nove principais bancos dos EUA reuniram-se na segunda-feira, às 15 horas, em uma sala de conferências em tons dourados do Departamento do Tesouro. Para sua surpresa, cada um deles recebeu um documento de uma única página no qual se afirmava que eles concordavam em vender ações ao governo; em seguida, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, disse que deveriam assiná-lo antes de sair.

O presidente do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, mostrou-se receptivo, afirmando que achava o acordo bastante bom, depois de fazer alguns cálculos mentalmente. O presidente do Wells Fargo, Richard M. Kovacevich, protestou com veemência que, ao contrário de seus concorrentes de Nova York, seu banco não estava com problemas financeiros por causa de investimentos em hipotecas exóticas, e não precisava de uma operação de ajuda.

Entretanto, às 18h30, todos os nove diretores haviam assinado - desencadeando a maior intervenção do Estado no sistema bancário americano desde a Depressão, e abandonando o plano para cuja aprovação no Congresso Paulson lutara tão energicamente apenas duas semanas antes.

O que ocorreu naquelas três horas e meia foi um episódio de intensa dramaticidade e um breve conflito, seguido pelo consenso dos banqueiros, convencidos àquela altura, de que não lhes restava outra opção senão aceitar o esquema do Tesouro, que prevê a injeção de US$ 250 bilhões em milhares de bancos - a começar dos seus.

Paulson anunciou o plano na terça-feira: ¿Lamentamos ter de tomar essas medidas.¿ Despejar bilhões de dólares do dinheiro dos contribuintes nos bancos, ele disse, é algo ¿questionável¿, mas inevitável para restaurar a confiança dos mercados e convencer os bancos a voltar a emprestar dinheiro.

Além das injeções de capital, que começaram esta semana, o governo disse que garantiria temporariamente US$ 1,5 trilhão em novos títulos da dívida privilegiada emitidos pelos bancos, e garantiria US$ 500 bilhões em depósitos usados principalmente por empresas.

Feitas as contas, o custo potencial desse último pacote de ajuda do governo chega a US$ 2,25 trilhões, o triplo do pacote original de US$ 700 bilhões, que visava à compra de ativos podres dos bancos. Essa exibição do poder de fogo do governo é uma reviravolta abrupta para Paulson, que, poucos dias atrás, desencorajava a idéia de injetar capital nos bancos.

¿Foi pegar ou pegar a proposta¿, disse uma pessoa falando da reunião, que não quis ser identificada por se tratar de discussões sigilosas. ¿Todo mundo sabia que só poderia haver uma resposta.¿

Entretanto, para chegar a essa conclusão, às vezes o diálogo ficou tenso entre Paulson, ex-presidente do Goldman Sachs, e seus antigos colegas e concorrentes, sentados à sua frente, ao redor da mesa de madeira escura, tomando cafezinho e Coca-Cola de baixo de um teto muito alto decorado em cores verde-sálvia e rosa.

Esse relato baseia-se em entrevistas com representantes do governo e executivos de bancos que participaram da reunião ou foram informados a respeito do seu conteúdo. Paulson começou telefonando pessoalmente aos banqueiros, domingo à tarde. Alguns já se encontravam em Washington para uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Os executivos não tinham a menor idéia dos planos de Paulson. Especularam que ele pretendesse informá-los sobre o recente programa de socorro do governo, ou talvez sondá-los a respeito de alguma iniciativa voluntária. Ninguém esperava que ele apresentasse seu plano como um ultimato.

Segundo suas próprias palavras, Paulson apresentou a proposta em termos muito incisivos. Os maiores bancos do país precisam começar a emprestar dinheiro entre si pelo bem do sistema financeiro, falou, em uma entrevista por telefone. Para tanto, eles precisavam estar melhor capitalizados.

¿Não acho que houvesse um banqueiro na sala que iria nos olhar nos olhos e afirmasse que tinha capital de sobra¿, disse Paulson. ¿Eles acabaram concordando em um espaço de tempo relativamente breve.¿ Na realidade, vários bancos da sala precisam de capital.

Paulson foi bombardeado com perguntas sobre as condições do investimento pelos diretores-executivos: Lloyd C. Blankfein, do Goldman Sachs, Vikram S. Pandit, do Citigroup, John A. Thain, do Merrill Lynch, além de Jamie Dimon, do JP Morgan. Como a participação do governo afetaria outros acionistas preferenciais? O Tesouro exigiria algum controle sobre a administração em troca do capital injetado? Como as garantias ¿ funcionariam?

Como a discussão ficou mais acalorada, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, sentado ao lado de Paulson, decidiu intervir. Disse aos banqueiros que a reunião não precisava ser combativa, uma vez que os bancos e a economia no sentido mais amplo iriam se beneficiar com o plano. Sem tais medidas, acrescentou, a situação de bancos ainda saudáveis poderia deteriorar.

Quando os banqueiros tomaram conhecimento do montante de dinheiro que o governo planejava investir, ficaram assombrados, segundo várias pessoas presentes ao encontro. À medida que outros detalhes foram oferecidos, alguns dos banqueiros começaram a entender o quão atrativo era o plano.

Mesmo insistindo em que não precisam do dinheiro, os banqueiros reconheceram que o capital extra pode ser útil, se a economia ficar mais abalada. Além disso, muitas das grandes operações desses bancos estão ligadas aos mercados de crédito e ações; quanto mais rápido esses mercados melhorarem, melhores serão os resultados.

Pandit disse aos colegas que o investimento dará ao Citigroup mais flexibilidade para tomar emprestado e emprestar. Dimon afirmou que acreditava que o capital relativamente barato era um negócio justo. Lewis admitiu que as perspectivas do seu banco estavam intimamente alinhadas com a economia americana.

John A. Thain ficou perplexo com as condições da garantia fornecida pela Corporação Federal de Seguro de Depósito para nova dívida privilegiada emitida pelos bancos. Ele calculou mentalmente os vencimentos da dívida emitida pelo Merrill Lynch para determinar como o programa poderia beneficiar seu banco.

Para Paulson, convencer os banqueiros sobre as injeções de capital pode não ter sido tão difícil quanto reformular um programa de salvamento que originalmente se concentrou apenas na compra de ativos. ¿Sempre disse para todos que trabalharam comigo, se você se entrincheirar numa posição, os fatos mudarem e você não mudar nem se adaptar a eles, então nunca se sairá bem.¿

Ele insistiu em que as aquisições de ativos podres constituirão a maior parte do programa. Mas, ao atribuir US$ 250 bilhões para investimentos diretos, o Tesouro tem apenas US$ 100 bilhões, dos US$ 350 bilhões alocados pelo Congresso, para aplicar nessas compras.

Conforme o encontro chegava ao final, os banqueiros estavam mais concentrados em contatar seus conselhos antes de assinar o acordo. Como o tempo era curto e o espaço, limitado, alguns deixaram o prédio do Tesouro, dirigindo-se para suas limusines, falando urgentemente nos seus celulares. ¿Não acho que precisamos discutir muito mais sobre o assunto¿, disse Lewis. ¿Todos sabemos que vamos assinar¿

*Os autores escrevem para o `The New York Times¿