Título: Infra-estrutura - crise? Nada disso, oportunidade!
Autor: Anderson, Norman F.; Barros, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2008, Espaço Aberto, p. A2

Quando você caminha pelas calçadas de uma cidade, alguém as cimentou e asfaltou as ruas. Acima de sua cabeça ou abaixo dos seus pés correm fios elétricos, de telefone e canos de água e esgoto. A exportação só ocorre se chegar por alguma estrada ou ferrovia aos portos ou aeroportos. Nada disso está lá por acaso, alguém investiu e fez.

A crise financeira global pôs a América Latina em grande perigo, apesar do que insistem em dizer seus governantes. A região cresceu, em média, 5,5% em 2007. E duas semanas depois de instalada a crise mundial o Banco Morgan Stanley (um dos que sobraram) projetou um crescimento de apenas 1,5% para a região em 2009.

A hora de agir é agora. Ou a América Latina vai esperar outra vez até que seja tarde demais, e repetir a década de 1980? Sempre lembrando que não é impossível que um resultado da crise nos EUA seja uma política no modelo Reagan-Volcker: jogar a taxa juros na estratosfera para chupar capital do mundo inteiro.

O investimento em infra-estrutura oferece a oportunidade de realmente blindar a economia real da América Latina contra a crise financeira global. O perigo é iminente. Adotar uma atitude agressiva pode trazer grandes benefícios e resultados extraordinários para a região.

Não resta dúvida alguma de que a crise financeira mundial se vai alastrar pela América Latina, pela queda brutal nos preços das commodities - alimentos, minérios, petróleo - e da rota indireta do empobrecimento dos compradores internacionais (que poderão comprar menos). Em face disso, a América Latina precisa investir entre US$ 30 bilhões e US$ 40 bilhões, que são apenas cerca de 1,5% do produto nacional bruto da região.

Esse dinheiro deve ser direcionado a projetos que atendam a dois objetivos. Primeiro, que contribuam para o aumento da competitividade latino-americana a longo prazo. Isso é investimento estratégico. Segundo, esse investimento precisa ser direcionado a áreas de ¿alto impacto com pouco gasto¿ em termos de criação de empregos. Isso é investimento social.

O foco precisa ser em infra-estrutura - a maior carência do continente -, eletricidade eficiente e barata, sistemas transporte de massa, água e saneamento e sistemas avançados de logística. E isso é tarefa para ontem.

Há três benefícios imediatos na adoção dessa estratégia agressiva. Primeiro, o investimento seria da ordem de apenas US$ 15 bilhões para uma grande economia, como a brasileira, e de US$ 450 milhões para uma economia menor, como a da República Dominicana. Em termos continentais, essa injeção de dinheiro na infra-estrutura criaria, imediatamente, 600 mil empregos diretos e 1,8 milhão de empregos indiretos. Segundo, os cidadãos que votam nessas democracias verão que seus governos - e as organizações internacionais financiadoras - estão adotando não apenas política decisivas, mas, sobretudo, políticas diretamente relacionadas ao progresso e bem-estar econômico e social deles, cidadãos e eleitores. Esta postura será crítica na crista de uma crise, gerando confiança no futuro, exatamente num ambiente caracterizado pela ausência de confiança. Terceiro, e mais importante, políticas dessa natureza terão capacidade de imunizar a economia real latino-americana contra a implosão do sistema financeiro global, que todos temem.

Isso deixará claro para as populações que a crise financeira global é uma crise das elites financeiras internacionais e que a vida das pessoas comuns - empregos e a capacidade dessas economias de serem produtivas - está sendo objeto de políticas concretas dos governos.

Os últimos cinco anos foram fantásticos na América Latina. A rigor, foram maravilhosos para os ricos, ainda que incertos para as classes médias. Para os pobres as coisas não mudaram muito (exceto, talvez, um pouco no Brasil).

Infra-estrutura é o caminho mais curto para a competitividade internacional e, apesar da retórica de todos os governos, a América Latina não progrediu praticamente nada nessa área. A Venezuela desperdiça os dólares do petróleo com aventuras politiqueiras. A Bolívia e o Equador fazem mais do mesmo: expropriam quem lá investe em infra-estrutura. Em São Paulo, todos - ricos e pobres - enfrentam engarrafamentos de mais de cem quilômetros quase todas as semanas. Quando chove, a cidade dá um nó. Ainda bem que os lixeiros não fazem greve.

Afora Chile e Panamá, que são exceções, o investimento em infra-estrutura em toda a América Latina nunca excedeu 1,5% do produto nacional bruto, quando chegou a isso. A região está sempre muito atrasada nessa área, comparada com qualquer lugar do mundo, exceto a África. Em relação à Ásia, então, nem se fala. Neste ritmo, os países latino-americanos, na sua maioria, serão totalmente não-competitivos em 2015 (isso sem falar nos que já não são competitivos).

A não ser em commodities, ninguém vai investir lá. Quando ouvimos os chineses, coreanos e árabes dizendo que preferem investir na África a fazê-lo na América Latina, dá para ver que temos um problema sério.

A melhor maneira de se proteger contra a crise atual é lançar os fundamentos para a produtividade e a competitividade, mostrando aos cidadãos - a todos os cidadãos - um compromisso com um crescimento equilibrado, aumentando imediatamente a taxa de investimento em infra-estrutura do 1,5% de hoje para, pelo menos, 2,5% em 2009. E mais: fixar uma meta de 0,5% de aumento do investimento nessa área a cada ano, para chegar a 2015 com uma média de investimento anual de 5,5% do produto nacional bruto. O investimento ligado à infra-estrutura gera empregos diretos e traz outros investimentos.