Título: Brecha no nepotismo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2008, Natas & Informações, p. A3

Chega a causar engulhos a leitura do noticiário sobre o denodado empenho dos senadores da República para garantir aos seus parentes os bons empregos oferecidos pela Casa, desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) baixou a Súmula Vinculante nº 13 com o objetivo de banir o nepotismo em todas as instâncias dos Três Poderes. Não é a primeira vez - nem será a última, certamente - que, estabelecida uma regra saneadora dos costumes, que implique perda de privilégio ou vede alguma prebenda, ergue-se contra ela afanosa criatividade dos atingidos em busca de meios para ¿dar a volta por cima¿ e driblar os possíveis estragos causados nas regalias.

Nessa linha, o advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, apontou um caminho salvador. Atendendo a uma consulta do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), cuja filha e uma cunhada haviam sido contratadas em 1997, antes que ele assumisse o atual mandato, achou por bem que os parentes nomeados antes da posse dos parlamentares-padrinhos deveriam permanecer nos cargos, e a Mesa da Casa estendeu por oito dias o prazo que o STF impusera para que os senadores demitissem os parentes por eles contratados.

Só que o senador Cafeteira omitira o fato de que ele próprio é que contratara as duas, no seu mandato anterior, iniciado em 1990. Alberto Cascais afirmou que se orientara pela decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que proibira, com semelhante ressalva, a contratação de parentes de magistrados nos tribunais. Mas o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) argumenta que essa interpretação está invalidada pelo fato de o CNJ ter tomado sua decisão antes de o Supremo baixar a Súmula Vinculante nº 13, que não diferencia datas ao proibir o nepotismo. ¿Com a súmula, isso de anterioridade deixou de existir¿, afirma o senador.

Os senadores que se opõem à decisão da Mesa, especialmente o senador Torres, aventam a hipótese de o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, poder ser enquadrado em crime de improbidade administrativa se não cumprir o que foi decidido pelo Supremo. Dada a repercussão negativa dos fatos, o presidente do Senado determinou que a advocacia-geral submeta seu parecer ao procurador-geral da República. ¿Se houver um engano nós vamos reparar porque não queremos passar a idéia de que estamos burlando a lei¿, disse o presidente do Senado.

É preciso que se faça justiça ao senador Garibaldi, que tem demonstrado ser um dos mais preocupados em recuperar a imagem do Senado perante a opinião pública. Aqui já comentamos a disposição que revelou, ao assumir o comando da Câmara Alta, de desfazer a péssima impressão suscitada pela Casa ante o público durante o longo escândalo envolvendo o seu antecessor. E é evidente que está agora cônscio de que novo desgaste pode sobrevir na esteira de uma ¿interpretação¿, das regras do STF, benevolente para com os parentes contratados pelos ilustres senadores. Neste sentido, já deu a entender que, caso o procurador-geral não se julgue legalmente competente para entrar na questão, poderá fazer nova consulta ao STF sobre o mesmo tema.

Nunca é demais repetir que a prática do nepotismo nos Poderes de Estado é uma das piores heranças do patrimonialismo que caracterizou a vida política brasileira desde a sua formação. As ligações de parentesco e de apadrinhamento, de detentores de mandato parlamentar, postos na alta magistratura ou cargos nos altos escalões da administração, em geral substituíram as seleções pela via da comprovação do mérito. A conseqüência inevitável desse atávico vício tem sido a degradação dos padrões administrativos e a falta de competência e de eficiência na prestação de serviços públicos em todas as esferas.

A súmula do Supremo, proibindo o nepotismo, deu esperanças de que o serviço público brasileiro pode ainda entrar no rol dos costumes político-administrativos das democracias civilizadas. E de quebra, pode também melhorar a qualidade da prestação pública, expurgando dela servidores cujo único mérito funcional é desfrutarem de elevado ¿Q.I.¿ - o poderoso ¿quem indica¿ nas altas esferas do poder público.