Título: O momento da verdade
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2008, Economia, p. B5

No mês passado, quando o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos deixou que o banco de investimento Lehman Brothers quebrasse, escrevi que Henry Paulson, o secretário do Tesouro, estava jogando roleta-russa. Havia de fato uma bala naquela câmara: a quebra do Lehman fez com que a crise financeira mundial, que já era grave, ficasse muito, mas muito pior.

As conseqüências da queda do Lehman ficaram evidentes em poucos dias, no entanto os estrategistas econômicos desperdiçaram em grande parte as últimas quatro semanas. Agora, chegou o momento da verdade. Eles precisam fazer alguma coisa logo - na realidade, precisam anunciar um plano de ajuda coordenado neste fim de semana - ou a economia mundial mergulhará na crise mais grave desde a Grande Depressão.

Vejamos qual é a nossa situação agora. A atual crise começou com o estouro da bolha imobiliária, que levou a uma ampla inadimplência das hipotecas, provocando imensos prejuízos em muitas instituições financeiras. A esse choque inicial se somaram efeitos secundários, enquanto a falta de capital obrigava os bancos a recuar, provocando declínio maior dos preços dos ativos e, em decorrência, mais prejuízos, e assim por diante - um círculo vicioso de ¿desalavancagem¿.

A perda generalizada da confiança nos bancos, até mesmo por parte de outros bancos, reforçou o círculo vicioso. A espiral descendente acelerou-se depois da quebra do Lehman. Os mercados financeiros, já conturbados, fecharam efetivamente - dizem, atualmente, que as únicas coisas que todos querem comprar neste momento são letras do Tesouro e água engarrafada.

As duas grandes potências monetárias mundiais - Estados Unidos, de um lado, e as 15 nações do euro, do outro - responderam a essa espiral descendente de maneira lamentavelmente inadequada.

A Europa, não tendo um governo único comum, tem sido literalmente incapaz de uma ação conjunta; cada país elabora a sua própria política, com pouca coordenação, por isso, as propostas de uma resposta unificada não foram a parte nenhuma.

Os Estados Unidos deveriam estar em uma posição muito mais forte. E, quando Paulson anunciou o plano de uma ampla operação de resgate, houve uma onda temporária de otimismo. Entretanto, logo ficou evidente que o plano sofria de uma falta fatal de clareza intelectual. Paulson propôs comprar ¿ativos podres¿ de bancos no valor de US$ 700 bilhões - títulos garantidos por hipotecas podres - , mas nunca conseguiu explicar de que modo essa operação poderia solucionar a crise.

O que ele deveria ter proposto, concordam muitos economistas, era uma injeção direta de capital nas instituições financeiras: o governo americano forneceria a essas empresas o capital de que necessitavam para fazer seus negócios - detendo, desse modo, a espiral descendente - em troca de uma participação.

Quando o Congresso modificou o plano de Paulson, introduziu dispositivos que tornavam possível, mas não obrigatória, essa injeção de capital. E, até três dias atrás, ele se opunha resolutamente a fazer a coisa certa.

Mas, na quarta-feira, o governo britânico, mostrando o tipo de pensamento claro que tem sido extremamente escasso deste lado do Atlântico, anunciou um plano pelo qual cedia aos bancos 50 bilhões de libras esterlinas (cerca de US$ 85 bilhões) em capital novo - o equivalente, proporcionalmente, ao tamanho da economia, a um programa americano de US$ 500 bilhões - com amplas garantias para transações financeiras entre bancos. Agora, as autoridades do Tesouro americano dizem que planejam algo semelhante, usando a autoridade que não quiseram, mas o Congresso lhes conferiu de qualquer maneira.

A questão agora é: serão essas medidas insuficientes e demasiado tardias? Não acredito, mas será muito alarmante se este fim de semana acabar sem que haja um anúncio crível de um novo plano de ajuda financeira, envolvendo não apenas os Estados Unidos, mas também todos os principais países.

Por que precisamos da cooperação internacional? Porque temos um sistema financeiro globalizado, em que a crise que começou com uma bolha nos condomínios da Flórida e nas ¿McMansões¿ da Califórnia, causou uma catástrofe monetária na Islândia. Estamos todos no mesmo barco e precisamos de uma solução conjunta.

Por que neste fim de semana? Porque em Washington ocorrem duas grandes reuniões: uma reunião das principais autoridades financeiras das nações mais avançadas (ontem) e a reunião anual do Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial, hoje e amanhã. Se essas reuniões se encerrarem sem pelo menos um acordo de princípio a respeito de um plano de ajuda global - se todos forem para casa sem nada de concreto, a não ser vagas afirmações de que pretendem controlar a situação - terá se perdido uma ocasião de ouro e a espiral descendente poderá piorar.

O que é preciso fazer? Os Estados Unidos e a Europa deveriam se limitar a dizer: sim, primeiro-ministro. O plano britânico não é perfeito, mas os economistas concordam amplamente que é o melhor esboço disponível de uma iniciativa de ajuda mais ampla. O momento de agir é agora. Podemos achar que as coisas não podem piorar, mas podem, se nada for feito nos próximos dias.

*Paul Krugman escreve para o `The New York Times¿