Título: Renda e instrução polarizam Rio
Autor: Tosta, Wilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Nacional, p. A10

Um jovem de nível universitário e renda alta e uma cinqüentona com educação apenas básica e rendimentos modestos têm marcado para o próximo domingo, 26, um encontro para decidir quem será o novo prefeito do Rio. Assim pode ser idealizada a situação apontada pela última pesquisa Ibope, a partir da qual podem ser traçados para os eleitores de Fernando Gabeira (PV) e Eduardo Paes (PMDB) dois perfis que não se misturam.

Segundo o estudo, os apoios ao verde e ao peemedebista descrevem curvas inversas na análise de indicadores: a sustentação a Gabeira cresce com a escolaridade e a renda familiar, mas cai com a idade; o eleitorado de Paes é maior na medida em que sobe a faixa etária e diminui quando crescem a escolaridade e os rendimentos.

¿Nos últimos tempos, temos observado mais esse tipo de divisão dos eleitores¿, diz a diretora-executiva de Atendimento e Planejamento do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari. ¿Então, por exemplo, na reeleição do (presidente) Lula, em 2006, contra o (Geraldo) Alckmin também aconteceu isso no Rio e no Brasil inteiro. Era Sul e Sudeste contra Norte e Nordeste. Em São Paulo, na eleição de 2004, Marta e Serra, exatamente o mesmo. Na eleição agora de São Paulo, Kassab e Marta, também. E aí no Rio também. São perfis de eleitores bem diferentes para cada candidato.¿

A última pesquisa Ibope mostra que o verde tem 62% entre quem tem de 16 a 24 anos, 60% dos votantes com 25 a 29 anos, 51% dos com 30 a 39, 47% do eleitorado de 40 a 49 e 45% entre os com mais de 50 anos. Na escolaridade, o processo é inverso. Gabeira tem 35% dos eleitores com até quatro anos de escola, 38% com escolaridade da 5ª ou 8ª séries, 54% com ensino médio e 64% com ensino superior. Na renda, o fenômeno é semelhante: o candidato do PV tem 45% dos votantes com até dois salários mínimos de renda familiar, mas 48% na faixa de dois a cinco e 63% no grupo de mais de cinco salários mínimos. Tem ainda 59% dos votos válidos dos homens.

Paes, de acordo com o Ibope, tem 38% dos eleitores de 16 a 24 anos, 40% dos de 25 a 29, 49% de 30 a 39, 53% de 40 a 49 e 55% de 50 ou mais.

O trabalho também mostra que o peemedebista conta com dois em cada três (65%) dos cidadãos com ensino até a 4ª série, praticamente a mesma proporção de eleitores da 5ª à 8ª (62%), 46% de pesquisados com ensino médio e 36% com ensino superior. Vence entre as mulheres (55% a 45%). O candidato do PMDB tem 55% dos votos entre quem ganha até dois salários mínimos de renda familiar, 52% dos que estão na faixa de dois a cinco e 37% no eleitorado com mais de cinco salários.

Já no primeiro turno ficou clara essa divisão de perfis do eleitorado. Gabeira venceu nas zonas sul e norte, e Paes, nas zonas oeste, da Leopoldina e Centro/Zona Portuária. Assim, o candidato verde chegou na frente em bairros como Barra da Tijuca, Ipanema, Leblon e Copacabana, e o peemedebista foi vitorioso em Santa Cruz, Jacarepaguá e Bangu.

ANÁLISE

Márcia Cavallari afirma que a acentuada divisão entre o eleitorado mais rico e mais educado de um lado e os eleitores mais pobres e menos escolarizados de outro é fenômeno recente no Brasil. Nas eleições de 2002, em São Paulo, lembra, a votação do presidente Lula foi homogênea. A mudança começou a ser percebida em 2004, na disputa pela prefeitura paulistana. ¿No resultado oficial das eleições, você tem em toda a periferia de São Paulo ganhando a Marta, e, no `miolo¿, com renda mais alta, ganhando o Serra¿, declara. Segundo ela, se esse mapa for sobreposto ao da votação presidencial de 2006, os perfis se encaixam: as votações de tucanos e petistas mais ou menos se repetiram geograficamente. Isso não quer dizer que o processo seja generalizado.

¿Depende de eleição para eleição¿, afirma. ¿Houve muitas eleições aqui este ano em que não aconteceu isso.¿ A diretora do Ibope atribui o fenômeno a diferentes fatores - um deles o pragmatismo de quem vota. ¿O eleitor que tem mais instrução, melhor renda, tem necessidades diferenciadas daquele que tem as necessidades básicas de sobrevivência¿, afirma. ¿Então, talvez tenha um discurso do Gabeira pela ética, necessidades outras daquelas que o eleitor menos escolarizado, com menor poder aquisitivo, que necessita de uma casa para morar, saúde, escola.¿

O cientista político Cesar Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, não se surpreende com a situação. ¿Eduardo Paes teve melhor votação onde renda e escolaridade são médias e baixas, e Gabeira se saiu bem onde ficam os eleitores mais educados e de renda mais alta¿, analisa. Ele lembra ainda que o verde teve votação mais forte nas áreas onde, na eleição de 2006, o tucano Alckmin teve melhor desempenho no Rio.

Para Jacob, Gabeira se beneficia, nas áreas de classe média, da força da oposição ao presidente Lula, que lhe dá acesso ao eleitorado mais conservador, e também da atuação, no passado, em defesa de bandeiras alternativas, o que atrai o voto jovem e de esquerda. ¿Acho que alguns votarão nele pela biografia, outros pelo presente¿, diz o pesquisador, lembrando que o candidato tem biografia ¿glamourosa¿, de ex-guerrilheiro. ¿Eduardo Paes pega o eleitorado que votou no Lula pela política de distribuição de renda, Bolsa-Família, inclusão social.¿

Jacob diz que o eleitorado conservador é mais ¿pragmático¿ e adotou Gabeira facilmente depois que Paes assumiu a liderança, para tirar Marcelo Crivella (PRB) do segundo turno. Esse movimento foi feito justamente pelo eleitorado mais escolarizado e de melhor renda, no qual Lula teve mais dificuldades em 2006.

Para ele, a discussão da sucessão presidencial já está presente na disputa, mesmo que não explícita: em 2008 a classe média vota em Gabeira contra o PT e aliados, como Paes e o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB). ¿Acho que 2010 é inevitável, queiramos ou não. Os conservadores têm mais consciência que a esquerda.¿