Título: Bush deixa um legado sombrio
Autor: MelloPatrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Internacional, p. A18

A crise financeira dos EUA foi a pá de cal no legado do presidente George W. Bush. Ao deixar a Casa Branca, em janeiro, entregará ao seu sucessor duas guerras e uma economia em frangalhos. Poucos presidentes deixaram uma herança tão maldita.

Bush gostaria de ser comparado a Harry Truman, que foi muito impopular durante seu mandato, mas acabou reabilitado pela história. No entanto, para estudiosos, ele corre o risco de ter seu nome registrado como o de Herbert Hoover, estigmatizado pela Crise de 1929.

¿Não existe nenhum outro presidente na história que tenha feito tantas ações audaciosas e controvertidas como Bush. A reforma fracassada da previdência social, a invasão do Iraque, cortes de impostos, foram todas iniciativas arriscadas, que não funcionaram no curto prazo¿, disse Bruce Buchanan, professor da Universidade do Texas, em Austin, e especialista em história presidencial.

DESAPROVAÇÃO

De acordo com pesquisa da CNN, Bush atingiu o pior nível de aprovação de seu governo: apenas 24% dos americanos acham que ele está fazendo um bom governo - os números só não são piores do que os de Richard Nixon, uma semana antes de sua renúncia, em 1974, e de Harry Truman, em 1952.

O índice de rejeição a Bush é ainda maior quando se trata da economia. Apenas 16% dos americanos aprovam o trabalho de Bush na área, segundo pesquisa da rede CBS e do jornal The New York Times - Bill Clinton terminou seu mandato com aprovação de quase 70%.

Bush não teve muito do que reclamar quando assumiu o governo, no início de 2001. Clinton havia deixado de herança um superávit fiscal recorde: US$ 230 bilhões. O sucessor de Bush terá menos sorte e receberá, no mínimo, um déficit de US$ 455 bilhões - o buraco pode chegar a US$ 1 trilhão graças ao pacote de resgate da economia e às medidas de estímulo fiscal que o Congresso quer aprovar. A dívida dos EUA, no fim do governo Clinton, era de US$ 5,6 trilhões. Agora, está em US$ 10,3 trilhões, o maior aumento já ocorrido na história.

¿Bush está deixando a economia em péssimo estado. Um dia, as pessoas olharão para trás e dirão: `Nossa, como aquela foi uma época ruim¿¿, disse George Edwards, professor de ciência política da Universidade do Texas A&M.

A crise não é obra de Bush, mas a onda de desregulamentação dos últimos oito anos certamente colaborou para a proliferação dos títulos podres de hipotecas, que é o cerne do problema. E, no momento em que são necessários gastos do governo para estimular a economia, o próximo presidente estará de mãos atadas, com uma enorme dívida deixada por Bush.

O maior marco de sua presidência é a invasão do Iraque. A decisão de declarar guerra baseado na falsa premissa de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa é vista como um erro monumental pela maioria dos analistas.

Houve também uma série de erros na condução da guerra. Os EUA invadiram o Iraque com um número insuficiente de soldados, desmantelaram o Exército do país e torturaram iraquianos. O resultado foi a ascensão de insurgentes e uma guerra incontrolável.

Em 2007, Bush enviou mais soldados e a guerra tornou-se menos violenta. No Afeganistão, o governo administrou mal o que deveria ter sido o principal front na guerra contra o terror. Analistas concordam com a crítica do democrata Barack Obama, que afirma que o Iraque desviou recursos e soldados que deveriam ter ficado no Afeganistão combatendo a Al-Qaeda. Os dois conflitos já consumiram US$ 900 bilhões e deixaram o Exército exaurido. Para atingir as metas de recrutamento, passou a alistar soldados com ficha criminal e sem colegial completo.

PONTOS POSITIVOS

Os feitos positivos do governo Bush são menos visíveis. ¿O combate à Aids na África e o programa de distribuição de remédios, que deu acesso a milhões de pessoas a medicamentos, são políticas muito eficientes¿, disse Edwards.

Em matéria na Newsweek, em agosto, o jornalista Fareed Zakaria adverte que não será o caso de desfazer tudo o que Bush fez. A maioria dos erros foi cometida no primeiro mandato. No segundo, para Zakaria, Bush corrigiu a rota e adotou políticas que devem ser mantidas: mais diplomacia e o predomínio de realistas, como a secretária de Estado, Condoleezza Rice, e o secretário de Defesa, Robert Gates.

Mesmo assim, não se espera que a história seja gentil com Bush. ¿Não dá para comparar Bush com Truman, que teve conquistas concretas, como a política de contenção, a Otan e o Plano Marshall¿, disse Buchanan. ¿Dependendo da evolução da crise, Bush pode mesmo é ficar com o estigma de Herbert Hoover.¿