Título: Cresce tensão rural no Paraguai
Autor: Barrionuevo, Alexei
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Internacional, p. A21

Na divisa da fazenda, o camponês paraguaio Rogelio Silva observa meia dúzia de barracas onde seus compatriotas se reúnem em torno de uma fogueira para preparar uma sopa. Próximo à estrada, faixas presas nas árvores expressam o sentimento predominante no coração agrícola do Paraguai: ¿Fora, brasileiros. A terra ou a morte.¿

Animados com a eleição do ex-bispo esquerdista Fernando Lugo para presidente, os camponeses paraguaios estão invadindo dezenas de fazendas na fronteira com o Brasil. Eles alegam que a terra paraguaia é ocupada ilegalmente por fazendeiros brasileiros com a anuência de autoridades corruptas.

Em agosto, dias depois da posse de Lugo, a polícia retirou à força mais de 500 camponeses que ocupavam uma fazenda na região de San Pedro. Contudo, os camponeses voltaram, instalando mais barracas.

O Paraguai tem 6,8 milhões de habitantes, dos quais 300 mil são brasileiros ou descendentes. As divisões entre os camponeses paraguaios e os fazendeiros brasileiros são profundas. Muitos brasileiros recusam-se a se integrar, só falam português e vivem em suas comunidades, enquanto grande parte de camponeses paraguaios só falam guarani.

O movimento sem-terra paraguaio converteu-se numa milícia armada cuja luta vem se intensificando perigosamente. Um choque com a polícia neste mês deixou um morto e três feridos. Depois do confronto, Lugo anunciou que sancionará uma lei proibindo estrangeiros de comprar terras no país.

Para os sem-terra, o presidente (que foi padre da paróquia de San Pedro por 11 anos) representa uma oportunidade de conseguir terras. Durante a campanha, Lugo prometeu realizar uma reforma agrária e sua eleição acabou com o domínio de 61 anos do Partido Colorado.

Os conflitos nas áreas rurais, porém, estão criando tensões entre o novo governo e o Brasil. ¿O sentimento antibrasileiro não é compartilhado pela maioria dos paraguaios, mas é uma preocupação¿, diz Antonio Francisco da Costa e Silva, conselheiro da Embaixada do Brasil em Assunção.

MECANIZAÇÃO

Os brasileiros praticam uma agricultura mecanizada em larga escala, plantando principalmente soja. Com isso, oferecem pouco trabalho aos camponeses, que acusam os fazendeiros de desmatar a floresta e contaminar com agrotóxicos as reservas hídricas do país.

Lugo vem insistindo para os sem-terra abandonarem as ocupações e lhe darem tempo para fazer a reforma agrária, mas, na crença de que o presidente está do seu lado, os camponeses estão radicalizando cada vez mais seu movimento. Segundo analistas, há risco de que a situação saia do controle e a violência se dissemine nas áreas rurais paraguaias.

VIOLÊNCIA

Em San Pedro, camponeses e políticos locais vêm denunciando que os fazendeiros brasileiros contrataram milícias armadas para proteger suas fazendas. ¿Elas estão matando inocentes¿, diz José Ledesma, governador da região. O conselheiro da embaixada brasileira não nega que alguns fazendeiros brasileiros se armaram, mas diz que a ¿vasta maioria¿ não o fez.

Pedro Paulo Silva, camponês de 61 anos, nunca entendeu porque foi atacado em abril. Abrindo a camisa para mostrar cinco feridas de balas, ele diz ter sido atingido por membros de uma milícia. Os dois agressores foram detidos e confirmaram que eram brasileiros, mas recusaram-se a dizer para quem trabalhavam.

Os brasileiros migraram para o Paraguai em busca de terras baratas e impostos mais baixos. Eles começaram a chegar nos anos 70, atraídos por um programa do ditador Alfredo Stroessner para impulsionar a produção agrícola.

Para Ledesma, foi esse esforço que causou os problemas atuais. Cerca de dois terços dos 120 mil quilômetros quadrados de terras distribuídos pelo Paraguai, de 1954 a 2004, foram concedidos irregularmente, segundo a gestão Lugo.

O projeto de lei que proíbe a compra de terras paraguaias por estrangeiros não se aplicará a propriedades adquiridas com ajuda do governo antes de 2003. Hoje, grande parte das terras cultiváveis do Paraguai está em mãos de brasileiros, que respondem por mais da metade da produção de soja do país. ¿A contribuição brasileira para a agricultura paraguaia tem sido imensa¿, diz o conselheiro da embaixada brasileira.

O fazendeiro Erni Schlindwein, que chegou ao Paraguai em 1982, conta que brasileiros como ele ajudaram a criar cidades no Chaco. ¿Quando cheguei aqui não tinha nada, nem escola, nem igreja, nem campo de futebol.¿ Ele admite, porém, que alguns brasileiros se aproveitam da legislação indulgente sobre a aquisição de terras. ¿Aqui as pessoas fazem o que querem. Se o governo investisse em tecnologia e treinamento, o país seria muito mais rico.¿