Título: Crédito vai voltar. Não como antes
Autor: Grinbaum, Ricardo; Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Economia, p. B4

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Fabio Barbosa, diz que as medidas do governo para aliviar a contração do crédito ainda não fizeram o efeito esperado porque nem todos os recursos foram liberados para o mercado. Mas observa que, mesmo quando isso ocorrer, o custo deve aumentar.

A explicação está ligada à inescapável lei da oferta e demanda. Como haverá menos dinheiro disponível do que há alguns meses, o preço (neste caso, expresso pela taxa de juros) deve subir. ¿Teremos uma condição melhor que a das últimas semanas, mas não é o cenário de seis meses atrás¿, diz. ¿O País vai ter de acomodar ao seu ritmo de crescimento essa nova realidade e as coisas vão se reequilibrar rapidamente.¿

Barbosa nega veementemente a possibilidade de uma quebra em cascata de empresas ou instituições financeiras, em decorrência das perdas com operações no arriscado mercado de derivativos . ¿Não há, no sistema financeiro brasileiro, nenhuma carteira que preocupe em nível sistêmico.¿

Segundo ele, os bancos estão dispostos a negociar com as empresas que perderam com as operações. ¿Não existirá problema nenhum para que essas operações tenham seu prazo redefinido, alongado. Isso está sendo conversado¿, diz, na seguinte entrevista.

O governo liberou depósitos compulsórios dos bancos, mas as empresas ainda estão sem crédito. O que está acontecendo?

A liberação dos compulsórios é uma medida correta e deve ajudar um pouco no equacionamento da crise que vivemos no mercado internacional e causa algum impacto no Brasil. Mas é importante saber que o governo anunciou uma liberação de até R$ 100 bilhões. Mas, desse total, cerca de R$ 40 bilhões já foram liberados e outros R$ 15 bilhões serão liberados hoje (sexta-feira). A liberação do resto depende do atendimento de algumas condições, como compras de carteiras de crédito de bancos e de operações cambiais. Ainda é cedo para ver o impacto das medidas, mas com certeza será positivo. Isso deve acontecer em breve, à medida que haja a liberação e o dinheiro comece a fluir. Não será a solução definitiva, mas é um passo muito importante.

O presidente Lula se queixou que os bancos não estavam repassando o dinheiro dos compulsórios. Os bancos estão segurando o dinheiro?

Não temos posição antagônica à do presidente. A posição dele é que os recursos têm de chegar na ponta. Todos concordamos. Mas também destacamos que, até o momento, apenas R$ 40 bilhões foram liberados, R$ 15 bilhões estão sendo liberados e os R$ 45 bilhões restantes dizem respeito a um potencial de liberação.

Há uma queixa que os bancos estão usando o dinheiro para comprar títulos públicos.

É lógico que, num momento como este, todo mundo fica um pouco mais prudente. Assim como as empresas, os bancos estão procurando acumular um pouco mais de liquidez. Mas é pouca coisa. Gostaria de jogar luz sobre uma questão: o dinheiro está escasso no mercado. Há algum tempo, os bancos vêm captando recursos pagando de 102% a 108% do CDI (taxa de juros de referência dos bancos)para quem faz grandes aplicações financeiras. Quando os bancos compram títulos públicos, o rendimento é até um pouco menor do que o do CDI. Então, ao contrário do que se fala, comprar título público não oferece um rendimento garantido e sem riscos para os bancos. Outra coisa importante: algumas pessoas dizem que os bancos recebem o dinheiro dos compulsórios, que não renderiam nada, e teriam ganhos ao aplicar em títulos públicos. Não é verdade. Os recursos do compulsório rendem 100% da Selic (taxa básica de juros, que tem rendimento semelhante ao do CDI).

Por que o crédito secou?

A crise levou os bancos no mercado internacional a retraírem suas operações de crédito. Houve redução nas linhas de comércio exterior e dos empréstimos sindicalizados (fornecido por pool de bancos) para empresas brasileiras. Também foram afetadas as emissões de ações no exterior. Sem esses dólares, as empresas foram buscar os recursos no mercado em reais. Com isso, houve um congestionamento, uma redução da capacidade de o sistema financeiro atender a todos. Será difícil voltar ao nível em que estávamos há três meses porque o mundo não é mais o mesmo. Mas o compulsório ajuda muito a melhorar a situação em relação a duas semanas atrás. A liberação dos compulsórios foi uma medida concreta e positiva que ajuda a atenuar o aperto.

Chegou-se a noticiar que os grandes bancos pararam de conceder empréstimos...

A notícia foi desmentida por todos, de forma categórica. As operações no varejo continuam funcionando normalmente. O que percebemos foi uma pequena desaceleração nos financiamentos de automóveis, mas que ainda estão num patamar alto, muito maior do que no ano passado. Os financiamentos de automóveis, que são operações mais longas, tiveram uma pequena redução no prazo. Essas operações ficaram mais caras, como o crédito em geral.

Por quanto tempo as empresas continuarão a ter problemas com capital de giro?

É difícil dizer o que vai acontecer no mercado internacional e como seremos impactados no Brasil. A boa notícia no Brasil é que estamos sendo muito menos impactados do que a Europa ou os EUA. Os bancos em geral têm balanços muito sólidos, não existe nenhum problema no sistema financeiro. Os ativos são de boa qualidade. A supervisão bancária garante um nível de alavancagem bem mais modesto do que acontecia nos EUA. Não existe problema com relação a isso. O que existe é uma necessidade de levantar recursos que antes podiam ser obtidos no mercado internacional. Quando isso será normalizado, não tenho a resposta.

O crédito vai ficar mais difícil?

O crédito para pessoa física continua normal. Para as empresas, está sob mais pressão, que será atenuada pela liberação dos compulsórios e pelos leilões de linhas de comércio exterior pelo BC. Talvez já tenhamos passado pelos momentos mais críticos. O que temos para frente tende a ser melhor do que o que vivemos nos últimos dias.

O crédito ficará mais caro?

Mais caro do que era três meses atrás. Teremos uma condição melhor que a das últimas semanas, mas não é o cenário de seis meses atrás. O País vai ter de acomodar o seu ritmo de crescimento a essa nova realidade e as coisas vão se reequilibrar rapidamente.

Como fica a definição da taxa básica de juros (Selic)?

O BC aproveitará até o último momento, antes do próximo Copom, dias 28 e 29, para ver o cenário. Desde o último Copom, há cerca de 30 dias, a situação econômica se alterou muito. Ainda faltam 15 dias e muita coisa pode acontecer.

O cenário para a inflação melhorou ou piorou?

Não sou economista. Hoje, vejo de um lado o dólar subindo, o que pode levar a inflação para cima, e vejo preço de commodities caindo, o que poderia sugerir inflação para baixo. Quando as coisas se estabilizarem, podemos ter uma avaliação melhor.

Os grandes bancos compraram 18 carteiras de crédito de bancos pequenos e médios. Qual é a situação desses bancos menores?

A pressão diminuiu muito nos últimos dias, em razão da injeção de compulsórios no sistema ou operações feitas por meio do Fundo Garantidor de Crédito. Em um primeiro momento, as operações foram feitas mais para `ver como funciona¿, pois não são operações fáceis de estruturar, mas o nível de pressão é substancialmente menor.

O resultado é que haverá maior concentração de bancos?

Depende. Muitos bancos tinham feito sua capitalização e sua estratégia de negócio. Dependendo de como o mercado estará ao passar essa tormenta, cada um vai seguir sua estratégia. Sempre vai haver espaço para bancos de nicho.

Qual é a sua avaliação sobre as medidas do BC para o dólar?

O BC tem feito operações de vendas no mercado futuro, no mercado à vista e vai oferecer linhas de financiamento de comércio exterior. A gente espera que, além dos impactos positivos do compulsório, a disponibilidade adicional de dólares deve ajudar a movimentar o mercado um pouco mais.

Quanto as empresas perderam com derivativos? Já se falou em R$ 50 bilhões...

Ninguém tem a dimensão. O problema é tanto maior quanto mais alta for a taxa de câmbio e tanto menor quanto menor for a taxa. Mas não é um problema sistêmico. Quando falávamos do mercado americano e da qualidade das carteiras de crédito, era um problema superior a US$ 1 trilhão. No Brasil, estamos falando de problemas pontuais, que podem representar uma gravidade específica em um cliente, mas não no sistema. É totalmente controlado, com empresas de primeiríssimo nível.

Uma das preocupações é de que os bancos seriam os garantidores da operação. Não há pressão sobre os bancos?

Os bancos são os intermediários. O banco não assume posições de câmbio, até porque o BC regulamenta os limites de descasamento cambial. Esse prejuízo (das empresas) representa ganhos esparsos mundo afora (para investidores).

A Sadia, por exemplo, estuda processar bancos. Os bancos foram irresponsáveis ao vender produtos tão agressivos?

Essas operações davam para as empresas financiamentos a taxas mais baixas, o que era possível por causa do contrato de derivativos que oneraria o preço em caso de elevação da taxa cambial. Cada empresa fez sua avaliação. O banco nem sequer tem a visualização total. Um banco sabe o que a empresa está fazendo com ele. Não sabe de outras operações com outros bancos. Durante muito tempo, as empresas se beneficiaram de uma queda do dólar ante o real.

Os bancos têm alguma regulação sobre derivativos?

A Febraban começou a trabalhar com auto-regulação, mas estamos no primeiro capítulo, ligado a pessoas físicas. Mas os contratos são bastante transparentes.

Os bancos estão renegociando esses contratos?

Quando digo que é um problema equacionável, não existirá problema para que essas operações tenham seu prazo redefinido. Isso está sendo conversado. Para todos os que foram surpreendidos com a valorização do dólar ante o real e tiveram prejuízos, existirá, caso a caso, conversa para dimensionar e equacionar o problema por meio de operações que alonguem os prazos.

Essas operações são costuradas pelos bancos com empresas de um lado e investidores de outro. Com essa renegociação, os bancos vão assumir os pagamentos em dólares que as empresas deveriam fazer aos investidores?

Isso. Seria um financiamento. O banco vive disso. Existe disposição para que esse problema seja dimensionado e refinanciado por um período compatível com a capacidade de geração de caixa da empresa.

O governo falou em 200 empresas.

Não sei dizer. Não são 10, não são 500. São muitas empresas, que estavam buscando uma forma de manter a competitividade e se beneficiavam quando o câmbio estava se valorizando.

Há risco de quebradeira de empresas?

Não existe necessidade nenhuma de que haja quebradeira de empresas. Existe total disposição e condição disso ser refinanciado. E o número, seja qual for, não representa crise sistêmica. É totalmente absorvível e equacionável.

Qual a lição que o sr. tira dessa crise?

Não existe capacidade de antever tendência de mercado. Temos de ter a humildade de trabalhar de uma forma bastante prudente, conservadora, e prestar atenção às políticas de risco. Essa é uma lição: fazer o dever de casa e evitar conjecturas sobre a tendência do mercado.