Título: Freada afeta políticas que mantêm Lula popular
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Economia, p. B5

A desaceleração do crescimento econômico em 2009 para níveis em torno de 3%, prevista por diversos analistas, deve afetar algumas das políticas e conquistas que mais contribuíram para a popularidade do governo Lula nos últimos anos: a expansão do emprego e do crédito, a recomposição salarial do funcionalismo, o forte aumento do valor real do salário mínimo e a retomada dos investimentos públicos, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Na área fiscal, uma das principais preocupações dos especialistas são os grandes aumentos salariais concedidos pelo governo nos últimos anos, na suposição de que a economia e a arrecadação continuariam a crescer no mesmo ritmo exibido desde 2007.

¿Foi o maior ciclo de aumentos para o funcionalismo de que se tem notícia¿, diz o economista Alexandre Marinis, da Mosaico Economia Política. Nas medidas provisórias 441, 440 e 431 (esta já transformada em lei), o governo dá aumento para 1,27 milhão de funcionários públicos (ativos e inativos) e pensionistas, o que significará custos adicionais de R$ 21,5 bilhões em 2009, R$ 29,4 bilhões em 2010, e R$ 35,1 bilhões em 2011.

Segundo os cálculos de Marinis, os gastos do governo federal com pessoal na ativa vão saltar de 4,6% do PIB em 2008 para 4,9% em 2009 - caso o País cresça 4,5% no próximo ano -, ou 5%, caso haja uma desaceleração para 3%. Em 2005, esSas despesas foram de 4,3% do PIB.

As contas de outro especialista em assuntos fiscais, o economista Raul Velloso, mostram que o crescimento das despesas de pessoal está se acelerando de 10,3% em 2007 para 14,6% em 2008 e 16,5% em 2009. Já os gastos previdenciários do INSS (do setor privado), cujo crescimento deve cair de 11,9% em 2007 para 8,9% em 2008, estão projetados para reacelerar para 14,2% em 2009, segundo a estimativa de Velloso.

O problema principal é a regra de reajuste do salário mínimo. Apesar de ainda não aprovada pelo Congresso, ela é a diretriz do governo, e estabelece que o mínimo seja reajustado pelo PIB de dois anos antes (2007) mais o INPC, o que hoje corresponderia a um aumento de 14,5%, de R$ 415 (valor atual) para aproximadamente R$ 475. Como cerca de 35% dos benefícios do INSS correspondem ao salário mínimo, o grande aumento tem um forte impacto sobre as contas da Previdência.

Com a economia apresentando desde 2006 um crescimento robusto, o governo partiu para uma estratégia de aumentar simultaneamente os gastos salariais, previdenciários, os investimentos e as transferências sociais. Segundo dados organizados pelo economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os investimentos do governo federal dobraram desde 2006, e devem atingir R$ 17 bilhões em 2008. Já os gastos sociais cresceram 40% no mesmo período, para R$ 35,2 bilhões.

Velloso explica, porém, que todo esSe ímpeto de expansão da despesa pública, sem comprometer as metas fiscais de superávit primário, está baseado na ampliação da arrecadação acima do PIB. Entre 2003 e 2007, as receitas cresceram 77,1%, comparado a 50,5% do PIB (incluindo inflação).

Agora, ele teme que um efeito oposto possa ocorrer, e a arrecadação desacelere mais do que o PIB. Velloso lembra que muitos fatores que puxaram a receita, como os lucros da empresas, as importações e os bens duráveis e dependentes de créditos (como automóveis) tendem a ser particularmente atingidos pelo tipo de desaceleração que a economia brasileira deve enfrentar .

NesSe cenário, o governo terá de fazer duras escolhas entre manter os aumentos salariais do funcionalismo (há até a possibilidade de segurar alguns deles e cancelar o preenchimento de vagas, segundo o ministro Paulo Bernardo), preservar o crescimento do valor real do salário mínimo, e continuar a expansão das políticas sociais e do investimento público. É provável que algo tenha de ser sacrificado, para se manter intacta a política de superávit primário de 3,8% do PIB.