Título: China não está imune, mas ritmo ainda é vigoroso
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Economia, p. B6

A China vai desacelerar em razão da crise financeira global, mas deverá ser o único país de peso a apresentar um crescimento expressivo em 2009. A maioria dos analistas espera que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) fique em torno de 8% no próximo ano, o que é bastante inferior aos 12% do ano passado, mas não significa uma retração dramática da atividade econômica.

Duas razões explicam a expectativa de que a China navegará relativamente bem em meio à tormenta global. A primeira é que o país é menos dependente das exportações para crescer do que se supõe. A outra é a quase certa adoção pelo governo de pacote de estímulo fiscal, a exemplo do que ocorreu na crise asiática de 1997.

No período de 1998 a 2000, as autoridades de Pequim promoveram investimentos de US$ 182 bilhões em 6.620 projetos de infra-estrutura, que incluíram a construção de 174 mil quilômetros de estradas e 35 novos aeroportos, segundo Stephen Green, economista-chefe do Standard Chartered.

O crescimento chinês desacelerou para 7,8% e 7,6% em 1998 e 1999, respectivamente, enquanto a maioria dos países do Sudeste Asiático enfrentou retração em suas economias no ano seguinte à crise.

A situação fiscal do governo chinês hoje é melhor do que a 1998 e o baixo nível de endividamento público dá espaço para a emissão de títulos que financiem um novo boom de investimentos, afirmam os analistas.

O problema, na avaliação de Green, é que não há mais tantos projetos de infra-estrutura a serem realizados, o que exigirá do governo uma análise mais criteriosa de onde investir o dinheiro. O economista aponta para as áreas de saúde, educação, ferrovias e eletricidade como potenciais beneficiários do pacote de estímulo de Pequim.

Evitar a desaceleração acentuada da economia passou a ser a prioridade do governo em setembro, quando a crise financeira internacional se agravou.

O Banco do Povo da China (o BC chinês) abandonou a política monetária restritiva que havia adotado desde o início do ano para combater a inflação e cortou a taxa de juros duas vezes, além de reduzir a quantidade de dinheiro à disposição dos bancos para empréstimos. Há consenso entre os analistas no sentido de que o BC continuará a reduzir juros e a aumentar a liquidez da economia.

A turbulência global e o aperto monetário já haviam afetado as exportações e a construção civil antes do agravamento da crise e a situação deverá piorar nos próximos meses. Juntos, os dois setores respondem por cerca de um terço do PIB chinês, segundo Wang Tao, economista-chefe do UBS na China.

Depois de registrar crescimento médio anual de 30% no período 2003-2007, as exportações devem fechar 2008 com alta de no máximo 20%.

No próximo ano, as vendas externas podem ter expansão de um dígito e contribuir de maneira negativa para o PIB, a primeira vez em que isso acontece desde 2001.

Queda nas exportações e desaceleração econômica significam retração nas importações, o que tem impacto sobre o Brasil. O minério de ferro é o maior produto de exportação do Brasil, com 6,57% das vendas em 2007, e as siderúrgicas chinesas são os principais clientes das mineradoras brasileiras.

Cerca de metade do aço fabricado na China vai para o setor de construção civil, que está em retração. Com a menor demanda interna, as siderúrgicas registraram em agosto queda de 1% na produção, a primeira em seis anos.

A redução nas compras chinesas vai restringir o poder da Vale e de outras mineradoras de obterem aumentos de preços, invertendo a tendência dos últimos anos, quando os reajustes chegaram a 70% (2004 e 2007). Analistas prevêem estabilidade ou queda dos preços do minério de ferro em 2009.

A australiana Rio Tinto, terceira maior mineradora do mundo, afirmou na sexta-feira que espera retração ¿acentuada¿ nos dados sobre economia chinesa do terceiro trimestre, mas ressaltou que a perspectiva de longo prazo é positiva.

¿No curto prazo, a economia chinesa está dando uma pausa para respirar¿, declarou o presidente-executivo da empresa, Tom Albanese, depois de divulgar os resultados do terceiro trimestre, que indicaram aumento de 17% na produção de minério de ferro.

Apesar de ressaltar que a China não está imune aos efeitos da crise financeira, Albanese afirmou que a recente desaceleração se deve principalmente à política de aperto monetário adotada desde o fim de 2007 para combater a inflação.

¿Olhando um pouco mais à frente, o PIB da China vai continuar a ser impulsionado principalmente pela demanda doméstica¿, afirmou Albanese.

Arthur Kroeber, da consultora Dragonomics, observa que o aumento populacional, o processo de urbanização e ganhos de produtividade vão continuar a impulsionar a expansão da China. Sua previsão é que o país crescerá 9,5% em 2008 e entre 8,0% e 8,5% no próximo ano.

O analista ressalta que a China costuma registrar ciclos de cinco anos de forte expansão seguidos por outros cinco de crescimento mais ¿modesto¿, em torno de 8% a 9%. Se a tendência se mantiver agora, o país estaria no início de uma etapa menos exuberante que a do período 2003-2007, o que teria impacto sobre as previsões feitas anteriormente.