Título: O governador cai em si
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2008, Notas & Informações, p. A3

Finalmente, o governador José Serra fez o que deveria ter feito desde quando ficou patente que o descontentamento da Polícia Civil paulista com os baixos salários, a estrutura da carreira e os critérios para a definição das aposentadorias dos 35 mil servidores do setor era suficientemente profundo e disseminado para alimentar uma greve sem precedentes de mais de um mês de duração. Tivesse agido a tempo e a hora a partir de uma avaliação objetiva da crise, capaz de separar os seus fatores essenciais dos acessórios, o governo já teria enviado à Assembléia Legislativa um conjunto de propostas aceitáveis para a grande maioria da corporação, como as que acabou de anunciar.

Dessa forma, perderiam gás os interessados em explorar politicamente a insatisfação dos policiais - e o governador teria sido poupado do gravíssimo conflito da quinta-feira passada, às portas do Palácio dos Bandeirantes, entre agentes civis amotinados, armados e habituados à violência e a Tropa de Choque da Polícia Militar enviada para impedir a invasão da sede do governo. Cerca de 30 pessoas saíram feridas do embate. Pior ainda, criou-se um clima de guerra aberta entre as duas polícias estaduais, cujas rivalidades eram já um dos principais obstáculos à maior efetividade das políticas de segurança pública.

Além disso, com o confronto, a greve começou a se transformar numa crise nacional. Policiais civis de pelo menos 18 Estados se solidarizaram com os seus colegas paulistas. E o deputado federal Paulo Pereira da Silva, do PDT, o instigador da tentativa de invasão, jactou-se de ter conseguido que o ministro da Justiça, Tarso Genro, se reunisse com os líderes da greve - não se sabe exatamente para quê. Com o cinismo que lhe é peculiar, o deputado aproveitou para dizer que, por não desejar a politização do problema, ¿decidimos não falar sobre o assunto com o presidente Lula¿ - como se fosse possível imaginar que o presidente da República receberia uma delegação de uma categoria policial em greve.

De pouco adianta, em todo caso, chorar o leite derramado. O que conta é a sensata decisão do governo de elevar de 6,2% para 13,39% - em dois reajustes de 6,5%, um em janeiro próximo, outro em 2010 - os vencimentos dos servidores ativos e inativos da Polícia Civil. Outro projeto permite aos policiais que se aposentam, doravante em regime especial, incorporar uma gratificação variável (conforme a população da cidade em que atuavam) ao valor das aposentadorias e pensões. O chamado adicional de localidade alcançará em 2014 o teto de 50% da paga. O governo também atendeu à reivindicação de reestruturar a carreira no setor, com a extinção da 5ª classe, a passagem dos policiais da 4ª classe para a 3ª e promoções nas outras duas.

A medida beneficiará 17 mil policiais, entre eles 1.100 delegados. Com o reajuste em duas etapas e as promoções, o piso salarial de um delegado passará dos atuais R$ 3.798 para R$ 5.203. Tudo somado, o pacote custará aos cofres estaduais R$ 830 milhões. A oferta original do governo representaria um desembolso de R$ 650 milhões. A variação é expressiva, mas não se pode esquecer que de há muito a Polícia Civil de São Paulo é mal remunerada. O seu salário-base, para se ter idéia, é o menor do País. Passará a ser o quarto mais baixo. A repercussão da iniciativa foi claramente positiva. O presidente da Associação dos Delegados, Sérgio Marcos Roque, comentou que o governo agiu com ¿bom senso¿.

Mesmo o dirigente da corporação considerado nos Bandeirantes um dos líderes mais radicais do movimento, o presidente do Sindicato dos Investigadores, José Batista Rebouças, admitiu que as propostas do governo, uma vez oficializadas, podem ser o bastante para encerramento da greve. Os policiais haviam decidido sair amanhã em passeata até a Assembléia Legislativa. ¿Pode ser que o momento de declarar o fim da greve seja esse¿, antecipou Roque. A retomada do trabalho, no entanto, não vira de todo a página da crise. É inconcebível que fiquem impunes os responsáveis pelos atos de violência da semana passada - já não bastasse o descalabro de agentes públicos em greve portando armas, mesmo se não as usassem.

Os agressores podem ser identificados e devem ser submetidos a processos administrativos e penais.