Título: Largada na frente não sustentou Marta
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2008, Nacinal, p. A7

A um passo de encerrar uma exaustiva maratona de quase 5 mil quilômetros percorridos em 110 dias, Marta Suplicy (PT) sabe que é praticamente impossível virar o jogo. Mas, para quem largou na frente nessa corrida e viu a cena política virar de ponta-cabeça na primavera, o importante, agora, é cruzar a linha de chegada com o estandarte do PT e acumular forças para a próxima batalha.

Nem mesmo o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi suficiente para a candidata do PT emplacar no primeiro turno e recuperar fôlego na segunda rodada. Pior: até agora, nenhuma estratégia adotada na tentativa de diminuir a distância que a separa do prefeito Gilberto Kassab (DEM) surtiu efeito.

¿Estamos lutando como leão¿, diz Marta, que aposta todas as fichas no debate de hoje, na TV Globo. ¿Mesmo que o placar seja adverso, muitas vezes a guerra é vencida no último minuto pela persistência e por um erro do adversário¿, completa o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), vice na chapa de Marta.

Embora o discurso seja de que ninguém jogou a toalha, os petistas já procuram, nos bastidores, desligar o provável desfecho do confronto em São Paulo da tomada de 2010. Com o argumento de que a disputa municipal não interfere no combate presidencial, dirigentes do PT rejeitam análises indicando que, se Kassab vencer, o governador José Serra (PSDB) sairá fortalecido para concorrer ao Planalto, daqui a dois anos.

PREPARAÇÃO

Na prática, a campanha de Marta começou a ser montada em fevereiro, quando ela ainda era ministra do Turismo e negava a intenção de deixar a Esplanada. Cinco meses antes do prazo estipulado por lei para a abertura da temporada eleitoral, o marqueteiro João Santana - o mesmo que assinou a propaganda de Lula à reeleição, em 2006 - já encomendava pesquisas para definir estratégias.

A intenção era apresentar o que Marta fez quando comandou a prefeitura (2001 a 2004), pondo na vitrine o Centro Educacional Unificado (CEU) e o bilhete único, e, mais do que isso, desmontar seu alto índice de rejeição, hoje na casa de 50%, segundo o Ibope. Os levantamentos mostravam uma mistura de desaprovação a taxas criadas por ela quando prefeita - que lhe renderam o apelido de ¿Martaxa¿ - com o desgaste acumulado pela defesa do direito ao aborto e da união civil entre homossexuais.

Para espantar a rejeição e fisgar a classe média, a equipe de Marta decidiu fazer tudo à imagem e semelhança da campanha de Lula, na tentativa de pegar carona na popularidade do presidente. Foi assim que, na cola do jingle Deixa o homem trabalhar, surgiu o indefectível Deixa ela trabalhar.

Líder absoluta das pesquisas no primeiro round, Marta assistiu de camarote à briga entre Geraldo Alckmin ( PSDB) e Kassab no ringue político. ¿Os dois que se matem¿, dizia ela. Foi, na avaliação de Lula e de dirigentes do PT, o primeiro erro da campanha. O presidente chegou a reclamar de um comercial em que um papagaio - sátira de Kassab - brigava com um tucano, numa referência a Alckmin.

No diagnóstico de Lula e de petistas influentes no partido, Marta deixou Kassab ¿correr solto¿ quando deveria ter aproveitado a onda favorável para marcar suas diferenças e mostrar o ¿DNA malufista¿ do rival logo que ele começou a decolar, fazendo Alckmin comer poeira. A equipe petista, porém, preferiu investir em iscas para os chamados ¿remediados¿, como a da internet sem fio gratuita e da isenção do Imposto Sobre Serviços Serviços (ISS) para autônomos, além da expansão do metrô.

A rápida ascensão de Kassab, que ultrapassou Marta no primeiro turno, não só surpreendeu como abalou o PT. Diante de insistentes apelos da direção do partido, que pedia a politização do debate, uma propaganda perguntando se Kassab era casado e tinha filhos caiu como um petardo e provocou estragos até mesmo no comitê de Marta.

CAVALO-DE-PAU

A polêmica em torno da peça publicitária rachou o PT, provocou protestos irados e pôs na defensiva uma campanha marcada por tropeços, fogo amigo e idas e vindas. Sob pressão, João Santana foi obrigado a retirar o comercial do ar.

Conhecido pelo estilo ¿low profile¿, que privilegia a apresentação de propostas, Santana chegou a dizer a coordenadores da campanha, na passagem do primeiro para o segundo turno, que não seria aconselhável dar um ¿cavalo-de-pau¿ no programa de Marta para não assustar os eleitores. Foi convencido do contrário. A ordem era desestabilizar Kassab.

Na crise pós-comercial, Marta ouviu um rap composto para ela por um garoto de 12 anos, órfão de pai e morador do distante bairro Jova Rural, na zona norte. Caiu no choro.¿Vale a pena agüentar o que tenho de agüentar para ver uma criança reconhecer o que a gente faz¿, desabafou.

Preocupado, o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, desembarcou na capital paulista há duas semanas para socorrer Marta. Conversou com padres e articulou a preparação de um manifesto aos cristãos, que foi distribuído nas igrejas, recomendando o voto na candidata. A iniciativa, porém, acabou censurada pela Igreja Católica. Não foi apenas da Igreja, no entanto, que Marta tentou se aproximar: também correu em busca dos votos dos evangélicos e, na semana passada, participou de dois cultos em templos da Assembléia de Deus. A disputa não é à toa: só na capital paulista o mundo evangélico reúne cerca de 1,87 milhão de fiéis.