Título: Falha em estocagem de sangue gera desperdício de hemoderivados
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2008, Vida &, p. A21

Matéria-prima suficiente para produzir o equivalente a US$ 6,82 milhões em hemoderivados perdeu-se nos hemocentros do País por falhas no armazenamento. Os produtos - 260 mil bolsas de plasma - estavam estocados para ser enviados ao exterior, processados e convertidos em fator 8, fator 9, hemoglobulina e albumina.

A empresa responsável pela operação, a francesa LFB, contratada por R$ 50 milhões pelo Ministério da Saúde, recusou-se a usar o plasma estocado em dois hemocentros, o da Fundação Pró-Sangue de São Paulo e de Belo Horizonte, alegando uma série de incorreções: quantidade excessiva de caixas nos armazéns, o que impedia a boa refrigeração, falhas na limpeza, poeira e fungos.

A empresa iniciou as vistorias nos hemocentros brasileiros no início do ano. O Ministério da Saúde, no entanto, afirma que somente em julho recebeu o alerta sobre o problema nos hemocentros de Minas e de São Paulo.

Uma vistoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi encomendada e confirmou o problema. O plasma - o equivalente ao que é coletado durante um ano e meio em todo o País - não serve mais para produzir fator 8 e fator 9. ¿O que se perdeu equivale ao suficiente para abastecer o País durante uma semana¿, afirmou Alberto Beltrame, diretor do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde. ¿O principal, que é imunoglobulina, poderá ser aproveitado¿, ressalvou. Para ele, a ¿reprovação¿ do plasma ocorreu muito mais por ¿hiperexigência¿ da empresa LFB. ¿Eles querem o plasma da melhor qualidade, por questões comerciais¿, disse. ¿Perco um dedo se nesse sangue rejeitado não há uma parcela com que é possível também fazer fator 8 e fator 9.¿ Pelo sistema fixado em contrato, a empresa recolhe o sangue estocado no País, leva para o exterior e devolve os hemoderivados. O Brasil paga por litro de sangue que é enviado para ser fracionado e a empresa fica obrigada a fornecer determinada quantidade de produtos.

O sistema começou a ser usado em 2002, numa estratégia para tentar reduzir o custo com a compra de medicamentos hemoderivados, tradicionalmente alto no País. Com o escândalo da Máfia dos Vampiros, um esquema de fraude que envolvia a compra superfaturada de hemoderivados, o sistema de envio de produtos foi suspenso. ¿Também aí havia superfaturamento¿, disse Beltrame. Somente em 2007 o processo foi retomado. A expectativa era a de que o governo economizasse 62% com essa operação com o produto recolhido neste ano. ¿Como o fator 8 e o fator 9 não poderão ser aproveitados, a economia será bem menor¿, afirmou.

Beltrame observa, porém, que o produto mais caro, a imunoglobulina, foi preservado. ¿Ela é a mais importante, mais rara. E a quantidade armazenada será suficiente para abastecer 6 meses.¿

O procurador no Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Eduardo Vries Marsico, que ingressou esta semana com representação para apurar o caso no tribunal, rebate Beltrame.

¿Houve falhas da fiscalização do Ministério da Saúde, há uma série de dúvidas que ainda não têm explicação.¿ Ele sustenta que o fator 8 e 9 que vai deixar de ser produzido seria suficiente para abastecer durante mais tempo a demanda brasileira. ¿Seja como for, é inadmissível saber que sangue, um produto que as pessoas doam, algo que tem um valor enorme, estrague nos armazéns de empresas terceirizadas.¿

O procurador refere-se à empresa contratada pela Fundação Pró-Sangue, a TCI BPO File Tecnologia do Conhecimento e Informação. ¿O objeto principal dessa empresa é a prestação de serviços de informática¿, observou.

Marsico lembra ainda que os hemocentros recebem pelo armazenamento do plasma. ¿Era de se esperar que o trabalho fosse feito de forma adequada. Muito me admira essa condescendência¿, completou. O convênio com a Fundação Pró-Sangue, por exemplo, custou R$ 434,3 mil para o Ministério da Saúde. O firmado com a Hemominas, R$ 641 mil. Beltrame procurou afastar qualquer responsabilidade do governo federal. ¿Não há como o governo aferir todo dia, com termômetro, todos os armazéns.¿ Ele disse ainda que um pedido de explicação foi encaminhado para os dois hemocentros cujo sangue foi reprovado como insumo de fatores 8 e 9. Isso ocorreu em agosto e até agora nenhuma resposta foi obtida. ¿Mas temos boas relações. Isso certamente será feito.¿ A Fundação Pró-Sangue foi procurada, mas não respondeu até o fechamento da edição.