Título: Fed pode cortar o juro pela metade; BC deve manter a taxa
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2008, Economia, p. B3

Num momento dramático da economia mundial, mais uma vez fica evidente o fosso que separa as economias desenvolvidas das emergentes. Amanhã, terminam as reuniões de decisão da taxa de juros básica tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Enquanto o Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) deve baixar os Fed Funds de 1,5% ao ano para 1% ou 0,75% (pelas projeções de contratos futuros), boa parte do mercado no Brasil aposta que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manterá a Selic em 13,75%. Há até analistas que defendem o aumento de 0,50 ponto porcentual.

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É verdade que a economia americana já é considerada em recessão por quase todos os analistas, que estimam recuo do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre e no restante do ano. No Brasil, onde o PIB vinha crescendo a um ritmo de 6% ao ano até o segundo trimestre, a expectativa é que a expansão continue no segundo semestre, embora já perdendo fôlego com a freada no crédito. Ainda assim, o contraste entre a atitude de estímulo desinibido do Fed e a cautela do Copom vai além de questões conjunturais e revela os benefícios de ser rico e ter uma moeda forte.

Para Ricardo Carneiro, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), há fatores estruturais e conjunturais que explicam a divergência de atitude dos BCs. Em relação aos EUA, ele observa que ¿não se pode querer que a moeda de reserva sofra os mesmos constrangimentos que uma moeda periférica¿.

Segundo Carneiro, a diferença fundamental é que os Estados Unidos emitem o dólar, o principal denominador das transações e dos ativos financeiros na economia global. Ao contrário de um país emergente com circulação livre de capitais, em que a fixação dos juros têm de levar em conta a taxa de câmbio contra o dólar - uma moeda ¿de maior qualidade¿ do que o real -, os Estados Unidos decidem sua política monetária sem grandes preocupações com os juros de outros países ou considerações cambiais.

Do ponto de vista conjuntural, o economista acha que o nível dos juros no Brasil é exageradamente alto em razão do que considera como a política monetária ultraortodoxa do BC ao longo dos últimos anos.

Gino Olivares, economista-chefe do Opportunity Asset Management, acha que a diferença de conduta dos dois BCs deve-se, fundamentalmente, ao fato de que a crise financeira global significa um choque deflacionista nos Estados Unidos, enquanto no Brasil o choque tem impactos mais ambíguos e pode ser inflacionário. ¿Um país da periferia não pode descer os juros como os países ricos¿, ele diz, observando que é provável que o Japão corte os seus ainda nesta semana e o Banco Central Europeu (BCE) e da Grã-Bretanha façam o mesmo na próxima.

O motivo básico para o possível efeito inflacionário da crise no Brasil é a disparada do câmbio, que pode ser repassada aos preços. Olivares é favorável ao aumento de 0,50 ponto porcentual na Selic nesta quarta-feira, quando termina a reunião do Copom. Mas ele acha mais provável que o BC opte pela manutenção.

Edward Amadeo, economista da Gávea Investimentos, acha que a história brasileira de muita inflação e volatilidade no câmbio ainda pesa contra o espaço de manobra do BC. ¿A credibilidade do Banco Central no combate à inflação ainda é menor do que a do Fed¿, ele diz.

Ainda assim, Amadeo acha que o Brasil pode estar caminhando lentamente para a situação em que, num cenário de ameaça forte de desaceleração, o BC poderia rapidamente baixar os juros. ¿É um processo que continua em andamento, mas, no momento, foi interrompido por esta crise¿, ele diz.