Título: Prazo maior para impostos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2008, Notas & Informações, p. A3

A indústria pediu ao governo um prazo mais longo para o recolhimento de impostos federais, como forma de aliviar o aperto financeiro. A sugestão, apresentada pela primeira vez há cerca de três semanas, foi reiterada pelo presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto, durante encontro setorial em Brasília. ¿A medida está sendo cogitada¿, respondeu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas não explicou quem está pensando no assunto. A secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, negou haver recebido qualquer solicitação para estudar o tema. O ministro deveria, no entanto, pensar seriamente no assunto. A proposta é razoável e sua adoção pode ser uma boa alternativa às ações anticíclicas discutidas até agora.

A ampliação do prazo para pagamento de tributos teria o efeito de uma injeção direta de capital de giro nas empresas. Seria uma ação mais eficiente que os estímulos até agora concedidos para a ampliação do crédito. Os empréstimos continuam restritos, apesar dos estímulos oferecidos pelo Banco Central (BC) para o descongelamento do crédito. Além disso, os bancos estão sendo muito mais seletivos do que antes para conceder financiamentos. Se esse quadro perdurar, será inevitável uma severa retração da atividade econômica. O Tesouro nacional poderá ser mais afetado, nesse caso, do que seria se os empresários tivessem maior prazo para recolher os tributos ou parte deles. Os ministros da área econômica deveriam levar em conta essa possibilidade.

Além de apoiar medidas para a reativação do crédito, o governo federal promete manter o ritmo de investimentos, especialmente do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Dada a lenta execução desse programa - reflexo da incapacidade gerencial da maior parte dos ministérios -, essa decisão não chega a ser entusiasmante. Mais prático, em termos de administração, seria cortar de uma vez uma parte desses gastos, como primeiro passo para um ajuste do orçamento. Também não se justifica, nesta altura, comprometer bilhões de reais com emendas de baixa qualidade, todas perfeitamente dispensáveis.

Mas o ministro da Fazenda e vários economistas do governo têm falado, com insistência, na importância de uma política fiscal contracíclica para estimular a atividade econômica. Com realismo, no entanto, só se pode prever a habitual expansão dos gastos de custeio, principalmente da folha de pessoal, e, talvez, a liberação de verbas para projetos indicados nas emendas ao orçamento.

Tudo isso resultará principalmente em muito desperdício, com pouco estímulo direto à atividade econômica. A ampliação do prazo para pagamento de tributos será uma alternativa muito mais eficiente, porque o benefício será incorporado diretamente pelas empresas, sem intermediação e sem perdas no caminho.

O governo poderá compensar o custo fiscal dessa política por meio de cortes no custeio e de maior eficiência na gestão do dinheiro público. Também isso facilitará uma política de juros mais folgada e mais favorável à contenção da dívida pública.

Em resumo: em vez de gastar mais, e muito mal, o governo poderia apertar o próprio cinto, para variar, e dar um alívio ao setor produtivo da economia, reduzindo alguns impostos e facilitando o pagamento de outros. Só se deverá tomar qualquer decisão, é claro, depois de um exame cuidadoso das possibilidades.

Não será possível evitar a redução do crescimento econômico, no próximo ano, e o governo parece haver, finalmente, reconhecido esse dado. Mais que irrealista, será imprudente qualquer tentativa de manter o Brasil na contramão da tendência mundial. Isso arrebentará as contas externas e poderá levar o País a uma crise cambial.

Mas faz sentido uma combinação de políticas para tornar o ajuste menos doloroso. O esforço para prover liquidez e descongelar o crédito é parte desse trabalho, mas não basta. Alguma contribuição da área fiscal será bem-vinda, mas não na forma de gastos desnecessários e, sim, por meio de benefícios tributários bem calibrados e bem dirigidos. Consumidores e empresas conseguirão usar esse dinheiro bem mais eficazmente do que o governo para atenuar os efeitos da crise.