Título: Dieta rica em carne vermelha e lácteos facilita ação de bactéria
Autor: Gonçalves, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2008, Vida &, p. A22

Cientistas trouxeram uma notícia boa e outra ruim para quem aprecia carne vermelha e laticínios. Um artigo da revista britânica Nature mostrou como uma dieta rica em alimentos de origem bovina torna o organismo humano mais vulnerável a uma forma severa de infecção alimentar. A publicação americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) trouxe, na segunda-feira, a hipótese de uma terapia eficaz contra a doença.

Os dois estudos tratam da mesma bactéria: a Escherichia coli, um microrganismo encontrado nas vísceras de mamíferos e aves. Há, no entanto, linhagens da E. coli que causam doenças. Um exemplo são as bactérias que produzem a toxina Shiga, substância capaz de provocar hemorragias no sistema digestivo e nos rins.

A linhagem responsável por 90% dos surtos endêmicos da doença é conhecida como E. coli O157:H7. Ela produz a toxina Shiga de forma muito agressiva e pode levar à insuficiência renal grave. O hábitat da linhagem O157:H7 são os intestinos dos bois. Carne, leite ou derivados contaminados servem como veículos para a infecção.

Os mesmos alimentos que carregam as bactérias nocivas são ricos em ácido siálico N-glicolilneuramínico (Neu5Gc, na sigla em inglês), uma substância que não é produzida naturalmente pelo organismo humano. O Neu5Gc é digerido e usado na construção das membranas celulares. No artigo da Nature, pesquisadores australianos e americanos mostram como as toxinas Shiga utilizam o Neu5Gc como porta de entrada para o interior das células.

Na Argentina, onde o consumo de carne é duas vezes maior que no Brasil, a incidência da infecção é comprovadamente maior. Segundo João Ramos Costa Andrade, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na Argentina há cerca de 300 casos anuais da síndrome urêmica hemolítica, quadro de falência renal que acompanha a forma mais grave de infecção por E. coli. Até agora, o Brasil só registrou as formas mais leves, cujo sintoma mais comum são as diarréias com sangue. ¿Não se sabe porque a incidência no Brasil é mais baixa¿, afirma Andrade. ¿Uma das hipóteses é a diferença na dieta. O estudo da Nature parece reforçar essa tese.¿

Um problema que os médicos enfrentam ao tentar combater a infecção por E. coli O157:H7 é a ausência de antibióticos seguros para o tratamento. Há vários medicamentos capazes de eliminar as bactérias, mas ao destruir suas células, eles liberam as toxinas Shiga que permaneciam armazenadas no interior dos microrganismos. A descarga da substância tóxica pode ser muito prejudicial.

Pesquisadores japoneses e canadenses descobriram um polímero capaz de neutralizar as toxinas antes de entrarem na célula. A descoberta, publicada na PNAS, poderá servir como terapia complementar: os médicos administrarão os polímeros aos pacientes e, depois, poderão utilizar os antibióticos sem recear a liberação das toxinas, que serão seqüestradas pelo novo composto.

Segundo David Bundle, da Universidade de Alberta (Canadá), ainda é necessário que algum laboratório farmacêutico se interesse pelo polímero e financie as pesquisas clínicas. Os testes até agora só foram feitos em camundongos. Até lá, convém comer carne bem passada e derivados de leite de origem controlada.