Título: Fuga dos emergentes fortalece dólar
Autor: Milanese, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2008, Economia, p. B9

A saída bilionária recente de recursos dos países emergentes está provocando fortes movimentos no mercado de câmbio internacional. À medida que os investidores deixam os ativos mais arriscados em busca de proteção, as moedas dos países desenvolvidos atingem marcas significativas.

O euro se desvaloriza em relação ao dólar e, por volta de US$ 1,25, tem a menor cotação em dois anos. Na última sexta-feira, o iene bateu a máxima de 13 anos ante o dólar, a 92,75. O comportamento levou à divulgação de um alerta do G-7, diante dos riscos que a valorização da moeda representa para a já abalada economia japonesa.

¿Hoje há pânico nos mercados e os investidores estão saindo dos emergentes, o que fortalece o dólar¿, afirmou Henry Stipp, estrategista do Threadneedle Investments. Para o estrategista David Woo, do Barclays Capital, a retirada de capital dos emergentes tem sido o principal condutor do enfraquecimento do euro desde julho.

Especialistas apontam outros dois fatores contribuindo para a escalada da moeda americana em relação à divisa européia, mesmo em meio à crise financeira. Um é a deterioração do cenário econômico europeu, que vai entrando em recessão. Outro é a mudança do comportamento das commodities, agora em queda por causa da perspectiva de retração na demanda. Mas o peso da mudança do fluxo de investimentos, agora pendendo para maior segurança, é destaque para a movimentação no mercado de câmbio.

O processo de redução das posições nos países em desenvolvimento, que começou há meses, se intensificou em outubro. O motivo é o agravamento da crise nos Estados Unidos e na Europa e a percepção de que o crescimento nos emergentes também será abalado.

Marc Balston e David Duong, estrategistas do Deutsche Bank, destacam que o índice EMBI Global já perdeu quase 30% nos últimos 50 dias. O desempenho se iguala ao do terceiro trimestre de 1998, durante a crise da Rússia. Na turbulência do México, o indicador levou 80 dias para acumular desvalorização semelhante.

Por acumular ganhos elevados nos últimos anos, a Bovespa caiu no centro do furacão e acumula perda de cerca de 50% em 2008. Os investidores estrangeiros já retiraram R$ 23 bilhões neste ano. Na segunda-feira, ao cair abaixo dos 30 mil pontos, o Ibovespa voltou ao nível de três anos atrás, quando o boom dos IPOs estava ganhando corpo. Isso significa que o mercado nacional anulou toda a valorização construída ao longo da onda de aberturas de capital em apenas um mês.

O movimento se estende ao mercado de títulos. Segundo o Deutsche, desde a última semana de agosto os fundos de dívidas emergentes já viram sair US$ 9,5 bilhões, um comportamento considerado ¿dramático¿ pelos especialistas.

Os analistas do Citigroup levantam uma pergunta de US$ 1 trilhão: até onde pode ir o processo de retorno dos recursos para os Estados Unidos? Levantamento do banco mostra que os americanos aplicaram cerca de US$ 1 trilhão em ações e títulos estrangeiros entre 2003 e 2008. Entre julho e agosto deste ano, voltaram ¿apenas¿ US$ 60 bilhões. Por isso, os especialistas do Citi vêem um ¿espaço significativo¿ para a continuidade do movimento.

Mas é difícil responder até onde vai o processo de repatriação de recursos e de desalavancagem global. ¿É o que todo mundo quer saber, mas ninguém sabe¿, disse Stipp, do Threadneedle. ¿O fato é que não há no passado comportamento semelhante ao que estamos vendo¿, afirmou à Agência Estado David da Silva, estrategista da Nomura Asset Management. Para ele, os fundamentos estão sendo ignorados e a onda vendedora está criando efeitos mundiais que, por sua vez, se tornam auto-realizáveis.

É o que os investidores chamam de ciclo vicioso, já que a necessidade de sair das posições reduz o preço dos ativos, alimentando o processo. Segundo especialistas, o maior peso hoje vem dos hedge funds que trabalhavam alavancados, ou seja, com dinheiro emprestado dos bancos.

Também há o movimento daqueles que vendiam moedas associadas a taxas de juros mais baixas e aplicavam nos países emergentes para obter mais retorno. Hoje esses investidores estão voltando para o iene, por exemplo, o que justifica a valorização da moeda japonesa.

Na avaliação do Barclays, o processo de acúmulo de reservas externas pelos bancos centrais emergentes também tem papel na cotação atual do euro. Com a melhora do balanço de pagamentos, as autoridades diversificaram a composição das reservas comprando mais moeda européia, o que ajudou a sustentar o euro nos últimos anos.

O estrategista David Woo anota que os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) elevaram as reservas em US$ 800 bilhões em 2007. Assumindo que o euro passou a representar 40% do montante, em média, ele conclui que esses países venderam cerca de US$ 300 bilhões para comprar a divisa européia somente no ano passado.