Título: Médicos debatem relação com empresa
Autor: Leite, Fabiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/10/2008, Vida &, p. A14
Novas regulamentações em discussão ou em implantação no Brasil e nos Estados Unidos estão buscando trazer alguma ordem nas relações entre médicos e fabricantes de medicamentos. A proposta é debater a distribuição de brindes, almoços, viagens e outros presentes de fabricantes com o objetivo de evitar impacto indevido das benesses sobre a receita.
Em meio ao debate, os próprios médicos que atuam como porta-vozes (speakers) das empresas em lançamentos de estudos e produtos ou aqueles que se destacam como conferencistas em eventos das farmacêuticas fazem uma defesa de seu trabalho, mas também pedem mais controle e transparência para a relação, até para evitar mal-entendido.
¿Congresso médico é ciência, não vejo nada de errado (o laboratório farmacêutico) levar o médico ao congresso. Não concordo é em levar a esposa do médico ou o congresso em Paris ser de um dia e o médico ficar dez dias. Nem tanto ao mar nem tanto à terra¿, resume o urologista Luiz Otávio Torres, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, que já realizou pesquisas, conferências e concedeu entrevistas como speaker de diferentes empresas farmacêuticas. ¿Acho sim que deveriam ser estabelecidas regras.¿
Nenhum profissional concordou em revelar à reportagem do Estado o total dos rendimentos obtidos por meio dos serviços prestados à indústria. Alguns justificaram que preferiam manter a privacidade, outros que não gostariam de ser os únicos a se expor, em meio a um sem-número de profissionais que prestam os serviços. Outros afirmaram não lembrar ou não saber exatamente os valores.
A atividade de speaker, conferencista e consultor não é ilegal, assim como aceitar presentes. Há, porém, o debate da questão ética, que passa pela influência que os presentes podem ou não ter sobre o tipo de atendimento prestado ao paciente. Recentemente, o caso de um médico que recebia por palestras e outros serviços para a indústria farmacêutica acabou na polícia após autoridades apontarem que ele teria prescrito remédios das mesmas empresas que o patrocinavam sem que alguns pacientes necessitassem.
Além disso, há relatos em periódicos científicos de casos em que o financiamento de pesquisas incorreu em resultados fantasiosos, apesar de grande parte dos trabalhos contribuir para o avanço das terapêuticas.
Reynaldo Ayer, conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, recorda que as parcerias entre médicos e indústria começaram com romantismo, como incentivo à difusão do conhecimento de nomes renomados da academia, até chegarem a profissionalização e abusos. ¿Temos de fazer um capítulo do nosso código de ética sobre a relação com a indústria, temos de ter a coragem¿, disse.
A primeira regulamentação específica sobre o tema no Brasil, no entanto, veio da própria indústria, que não divulgou ainda os possíveis infratores das novas normas.