Título: Mercado vê parada técnica da Selic
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/10/2008, Economia, p. B3

A possível parada técnica do Banco Central (BC), com manutenção da taxa de juros em 13,75% ao ano, se tornou em poucas semanas uma espécie de consenso entre economistas dentro e fora do governo. Até a última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), os economistas do mercado vinham claramente defendendo a elevação da taxa de juros para conter a demanda agregada e as pressões inflacionárias, mas a crise de liquidez que se instalou no País nas últimas semanas alterou completamente a situação e as opiniões.

¿A inflação é importante, mas talvez não seja o problema emergencial em lugar nenhum do mundo e não deve ser aqui no Brasil. No cenário de crise, a inflação deixa de ser uma questão emergencial, e a própria dinâmica dos preços vai ser afetada pelo desdobramento da crise no Brasil¿, diz o economista Flávio Castelo Branco, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). ¿O movimento de alta (da Selic) visava a conter a inflação por meio da influência na demanda, no crédito e nas expectativas. Mas essa crise já fez esse serviço¿, completa o economista José Roberto Mendonça de Barros.

No mercado financeiro, inúmeros porta-vozes passaram a adotar nas últimas semanas posições ou apostas de que a taxa de juros será mantida inalterada, como já defendiam alguns diretores do BC na última reunião do Copom. O economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, é uma exceção. ¿Ainda não vejo o ciclo de aperto de juros se encerrando¿, disse na semana passada.

Dois temores ainda pesam na avaliação dos analistas de mercado que são contra uma interrupção no aumento dos juros: o de que a desvalorização cambial pressione os preços para cima, mesmo em ambiente de desaceleração econômica, e o de que o BC não tenha mais forças para retomar o movimento de alta, se necessário, durante o governo Lula.

A reviravolta da política econômica deflagrada pelo primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, seria um prenúncio de que aqui no Brasil a política monetária seria reformulada depois de passado o pior da crise.

Assessores do ministro da Fazenda, Guido Mantega, responsabilizam o Banco Central, presidido por Henrique Meirelles, por induzir - com juros altos - a bolha cambial que agora ameaça a solvência de grandes empresas exportadoras.

No momento, entretanto, mesmo os defensores da queda da taxa de juros são reticentes em avaliar a eficácia de uma medida dessas. Essa alternativa chegou a ser cogitada nas discussões da equipe econômica como forma de desestimular os bancos a se refugiarem em títulos públicos. Nas últimas semanas, o governo liberou o dinheiro do compulsório retido no Banco Central, mas os bancos resistem em pôr o dinheiro em circulação, preferindo comprar títulos.

COMPROMISSADAS

¿O Copom, se tivesse coragem e competência, poderia derrubar a taxa Selic em 5 pontos porcentuais. E o presidente Lula poderia ameaçar ainda mais os banqueiros, pois ainda assim eles continuarão preferindo depositar seu caixa nos títulos do governo¿, diz o economista José Roberto Afonso.

Segundo ele, os bancos brasileiros não têm confiança para emprestar às empresas e vão querer se resguardar em títulos públicos, mesmo que a taxa de juros seja de 8% ou 10% - que, se comparada com as praticadas no resto do mundo, ainda seria alta. Essa situação é bem diferente da vivida nos Estados Unidos, onde a crise de confiança existe entre os próprios bancos. ¿Aliás, se as grandes empresas perderam apostando no bolsa-cassino, do outro lado estavam os bancos, como os grandes ganhadores¿, diz Afonso.

A grande ironia dessa história, segundo críticos da política monetária, é que a crise de liquidez seria o momento ideal para o governo reduzir o tamanho (e o custo) da dívida pública, aproveitando seu colchão de liquidez (quase R$ 300 bilhões em caixa) para resgatar os títulos públicos. Mas a pressão dos bancos não permite que isso ocorra: sempre que o Tesouro resgata os títulos em um lado do balcão, o Banco Central libera novos títulos do outro lado, por meio de operações compromissadas.