Título: Incompetência e gastança
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2008, Notas e Informações, p. A3
O governo ameaça aumentar a gastança em 2009 para combater a crise econômica e realizar os investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). ¿Não abrirei mão de nenhum centavo¿, disse em San Salvador o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, referindo-se às verbas do programa. Em face da crise, a solução será, portanto, baixar a meta fiscal do próximo ano, reduzindo de 4,3% para 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) o superávit primário planejado, segundo informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, na quinta-feira. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acrescentou no dia seguinte que o ¿esforço fiscal¿ incluirá, além daqueles 3,8% de superávit primário, 0,5% para o Fundo Soberano, mas não explicou o destino desse dinheiro. Certamente não será poupado.
Mas o PAC não está atrasado por causa da crise internacional e não foi prejudicado, até hoje, por falta de dinheiro. A mera preservação desse programa não justifica nenhuma alteração da meta fiscal. Sua execução dificilmente será mais eficiente no próximo ano, mesmo no caso de uma inversão do quadro econômico e de um aumento da arrecadação. O problema não está nas finanças, mas na incapacidade gerencial e operacional do governo.
De janeiro a 22 de outubro deste ano, foram empenhados apenas R$ 10,36 bilhões para as obras do programa, 57,6% dos R$ 17,98 bilhões autorizados no orçamento. Dos valores previstos para o ano o Tesouro pagou apenas R$ 1,85 bilhão, 11% da verba orçada. O total desembolsado chegou a R$ 8,22% bilhões, mas a maior parte, R$ 6,36 bilhões, corresponde a restos a pagar - valores empenhados e não gastos em 2007.
Mas não é só a execução do PAC que está emperrada. Os investimentos previstos para 2008 estão em geral atrasados. Dos R$ 42,33 bilhões autorizados, só foram empenhados até 10 de outubro R$ 19,75 bilhões, menos da metade. Das verbas orçadas para o ano foram desembolsados R$ 4,01 bilhões, 9,5% do total programado. Mas foram pagos 67,8% dos R$ 145,60 bilhões destinados a pessoal e encargos sociais e 70% dos R$ 474 bilhões previstos para outras despesas correntes.
O contraste é indisfarçável: quando se trata de gastos mais ou menos automáticos, independentes de ações mais complexas de planejamento, projeto e gerência de execução, o desembolso é bem mais eficiente.
Embora esses fatos sejam muito visíveis, a ¿mãe do PAC¿, Dilma Rousseff, cumpre periodicamente a inglória tarefa de apresentar um balanço da execução, sempre com um discurso otimista. Nessa quinta-feira, foi mais difícil exibir otimismo, porque os gastos de outubro com o PAC foram bem menores que os de setembro. Mas isso foi atribuído pela ministra à paralisação de funcionários da Caixa Econômica Federal e do Ministério dos Transportes.
De certo modo, essas greves facilitaram o trabalho da ministra, porque lhe deram uma justificativa para o atraso em outubro. Mas essa é uma característica do PAC desde seu lançamento. Demora nas licitações para obras portuárias, lentidão no licenciamento ambiental, irregularidades apontadas pelo TCU em obras de aeroportos, excesso de burocracia, dificuldades na elaboração de projetos e atraso no repasse de verbas pela Caixa são alguns dos problemas apontados.
Se a meta de superávit primário for baixada de 4,3% para 3,8% do PIB, sobrarão, segundo estimativas de Brasília, R$ 15 bilhões para obras. Mas está sobrando muito mais que isso, neste ano, simplesmente pelo atraso na execução dos projetos de investimento.
O PAC, segundo a ministra, ¿tem um nítido caráter anticíclico¿: sua execução contribuirá para atenuar os efeitos da crise. De fato, a aceleração de suas obras poderia ter, talvez, um efeito anticíclico, mas ¿acelerar¿, nesse caso, corresponderá simplesmente a reduzir o atraso - e até isso é duvidoso.
Não será por causa do PAC que o governo federal precisará reduzir o superávit primário, isto é, o resultado fiscal usado para o pagamento de juros. Além disso, a melhor maneira de ajustar o orçamento a um período de crise seria uma combinação de duas medidas: corte de gastos correntes e de emendas orçamentárias - itens improdutivos - e concessão de alívio tributário ao setor privado, talvez por meio de prazos mais longos para o recolhimento de impostos. Isso dará à economia muito mais vigor do que um mero aumento da gastança pública.