Título: O Brasil conhece mal a China
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2008, Notas e Informações, p. A5

O empresário brasileiro desconhece a China, disse o embaixador do Brasil em Pequim, Clodoaldo Hugueney, numa entrevista publicada ontem no Estado. O mercado chinês absorveu exportações brasileiras no valor de US$ 13,71 bilhões entre janeiro e setembro, deixando-nos atrás somente dos Estados Unidos e quase empatados com a vizinha Argentina. O empresariado nacional deveria saber mais do que sabe sobre um parceiro comercial tão importante, mas o desconhecimento desse mercado pelos exportadores brasileiros não é a única deficiência preocupante apontada na entrevista. Afinal, se os chineses compram tanto do Brasil, isso se deve principalmente ao esforço do setor privado. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez muito barulho acerca da aproximação entre os dois países, com muita retórica sobre aliança estratégica, mas não foi muito além disso. Não chegou sequer a montar uma representação diplomática à altura da relevância atual e das perspectivas do comércio e da cooperação econômica entre os dois países.

O embaixador procurou ressaltar a importância atribuída pelo governo brasileiro à parceria com a China, mas a situação por ele descrita mostra uma enorme distância entre o palavrório da cooperação bilateral e a ação efetiva.

¿A embaixada sou eu, o ministro-conselheiro e quatro diplomatas¿, disse o embaixador à correspondente do Estado, Cláudia Trevisan. A esse grupinho acrescenta-se um contingente de menos de 40 funcionários. A representação diplomática do Canadá tem quatro ou cinco representações comerciais fora da capital e está abrindo mais meia dúzia.

Na embaixada brasileira, um diplomata e dois funcionários chineses cuidam da parte comercial, segundo o embaixador. A situação, disse ele, deve melhorar com a abertura de um escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A Apex e um pequeno grupo de empresários brasileiros já vêm trabalhando há alguns anos para intensificar a cooperação bilateral e o conhecimento mútuo dos dois mercados, mas é possível fazer muito mais. Um envolvimento mais amplo do Itamaraty poderia ser muito útil.

Os brasileiros, segundo Hugueney, vêem na China apenas uma grande economia importadora de produtos básicos. Mas a maior parte das importações chinesas, salienta ele, é de manufaturados - mas não do Brasil e, sim, da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos. O embaixador não mencionou o detalhe, mas as vendas brasileiras de produtos elaborados e semi-elaborados para o mercado chinês têm resultado essencialmente de esforços privados. É claro que deve mesmo caber ao setor empresarial a maior parte do trabalho de expansão do comércio, mas, ainda assim, a participação do setor público pode ser muito útil. E uma das tarefas mais importantes que cabe ao governo é a divulgação do País e de seu potencial econômico e tecnológico. Nisso o governo brasileiro tem falhado flagrantemente.

O Brasil moderno e competitivo ainda é desconhecido da maior parte das pessoas, nos principais mercados. ¿A nossa imagem está muito associada a samba e futebol¿, disse o embaixador Hugueney na entrevista. Isso é verdade, e não apenas na China. Mas o próprio Itamaraty pouco tem feito para apresentar ao mundo o Brasil moderno e industrializado. É verdade que nenhum chefe de governo do mundo passa tanto tempo no exterior quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, infelizmente, ele gasta a maior parte de sua retórica, nas viagens, falando sobre miséria e sobre como os pobres devem aliar-se para mudar a geografia econômica. Quando não fala disso, fala de etanol, como se o Brasil só tivesse tecnologia para produzir biocombustíveis.

Em 2009 o primeiro-ministro Wen Jiabao virá ao Brasil, durante viagem à América Latina. Em 2004, os presidentes Lula e Hu Jintao trocaram visitas. Nesses contatos, as maiores vantagens ficaram para os chineses. Nenhuma nova oportunidade comercial foi aberta aos brasileiros, mas Pequim conseguiu de Brasília a promessa de reconhecer seu país como economia de mercado. O empresariado, apesar de tudo, tem mostrado capacidade prática. As falhas têm sido principalmente do governo.