Título: Anvisa resiste à perda de poder de análise de patente
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2008, Vida &, p. A

Um projeto que chegou há duas semanas à Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara deflagrou uma verdadeira guerra de bastidores entre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A proposta, do deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), da Frente Parlamentar da Saúde, acaba com o poder de a Anvisa analisar pedidos de patentes da indústria farmacêutica.

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Hoje, todas as decisões do INPI na área de medicamentos são depois submetidas ao crivo da Anvisa, que não aceita perder essa função. Para a Anvisa, o INPI é extremamente pró-indústria e comete falhas, tanto que mandou rever 62 processos, dos 1.100 analisados pelo instituto de 2001 para cá. A indústria farmacêutica, por meio da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, apóia a iniciativa do deputado tucano e diz que ela vai acabar com a ¿duplicidade de funções¿. Os administradores da saúde pública consideram a proposta de Guerra um ¿retrocesso¿.

¿É uma proposta indecente¿, avalia o professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto. ¿Isso vai na contramão do que o Brasil defende no exterior na área de patentes¿, afirma a advogada do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (GTPI-Rebrip), Gabriela Chaves. Os técnicos da Anvisa consideram os critérios do INPI excessivamente favoráveis à indústria farmacêutica.

¿O que existe hoje é uma duplicidade de funções. A Anvisa revê algo que o INPI já fez. Não há razão para isso¿, defende Gabriel Tannus, presidente da Interfarma, associação que reúne as mais fortes empresas do setor. Esse duplo exame gera, na opinião dele, desperdício de dinheiro público e atraso na emissão de patentes.

A Anvisa começou a analisar os processos de patente a partir de 2001. Com amplos poderes, a Anvisa pode negar o pedido de patente já aprovado pelo INPI, restringir as reivindicações ou requerer mais informações. Desde então, 1.100 processos foram avaliados. Desse total, 790 patentes concedidas pelo INPI foram confirmadas pela Anvisa. ¿Mas em metade delas foi feita uma restrição do pedido atendido¿, lembra Luís Carlos Wanderley Lima, chefe da Coordenação de Propriedade Intelectual da Anvisa (Coopi-Anvisa). Em 62 processos, as irregularidades detectadas levaram à decisão de negar as patentes.

¿Esses números já demonstram a importância da atuação da Anvisa¿, diz Lima. ¿Se foram encontradas 62 irregularidades e erros, fica claro que a análise do INPI não vem sendo muito rigorosa.¿ A Anvisa queixa-se dos pedidos embasados em documentos muito genéricos. Ao longo dos últimos anos, a indústria recorreu ao Judiciário contra a atuação da Anvisa, mas, lembra Lima, ¿outros países estudam a possibilidade de adotar mecanismo semelhante ao brasileiro. A iniciativa é inédita e internacionalmente já foi bastante elogiada.¿