Título: Para polícia, máfia até montava editais de licitações que fraudava
Autor: Tavares, Bruno; Godoy, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2008, Nacional, p. A8
Mais do que burlar pregões eletrônicos, a máfia dos parasitas conseguia determinar as regras das licitações, segundo a Polícia Civil de São Paulo. O que era uma suspeita dos investigadores até o início da semana passada se transformou em forte indício depois que minutas foram apreendidas num dos 23 endereços vasculhados pela força-tarefa composta por policiais, auditores da Secretaria de Estado da Fazenda e promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).
Deflagrada na quinta-feira, após 11 meses de investigação, a Operação Parasitas levou para a prisão cinco empresários suspeitos de faturar R$ 100 milhões com fraudes nos últimos dois anos. A suposta organização criminosa seria dividida em duas células - uma tinha influência sobre contratos firmados com hospitais públicos da capital e da Grande São Paulo e outra atuava sobre prefeituras do interior de São Paulo, Rio, Minas Gerais e Goiás.
Em Resende (RJ), os investigadores apontam fraude em uma licitação vencida pela empresa Velox Produtos de Saúde e Gestão Hospitalar Ltda. Como a contratação da Home Care Medical era criticada por parte da oposição à administração do prefeito Silvio de Carvalho (PMDB), a solução encontrada foi fazer da Velox a vencedora. Detalhe: a Velox é administrada, segundo a polícia, pelos mesmos sócios da Home Care - Marcos Agostinho Paioli Cardoso e Renato Pereira Júnior, presos na semana passada.
¿A Home Care não tem nenhum contrato com a Prefeitura de Resende, nunca enviou um tostão para o exterior. Trata-se de empresa idônea, que tem seus contratos aprovados pelo Tribunal de Contas¿, disse o advogado César Guimarães. Ele voltou a dizer que a defesa ainda não teve acesso aos autos. A Prefeitura de Resende se limitou a admitir que mantém contratos com algumas das empresas investigadas.
A estratégia de usar múltiplas empresas permitia que os controladores apresentassem, nas licitações, preços acima dos praticados no mercado, uma vez que concorriam entre elas próprias.
Durante a apuração, a polícia notou ¿disponibilidade da Home Care em oferecer favores e gentilezas para os representantes do Executivo e do Legislativo¿. As escutas mostram candidatos a prefeito ¿solicitando apoio financeiro para suas campanhas¿ e até mesmo o uso de helicóptero para deslocamentos de políticos, tanto a trabalho quanto para lazer.
Pelo menos um prefeito foi flagrado encontrando-se com um dos empresários presos. Trata-se de Herculano Castilho Passos Júnior (PV), que governava Itu e foi reeleito com 85% dos votos. O encontro foi filmado pela polícia, que não sabia de quem se tratava. Só mais tarde foi percebido que o interlocutor de Pereira Júnior não era um simples funcionário público. As escutas telefônicas captaram um diálogo no qual os dois comentavam que não iriam para o almoço em seus carros.
Em nota, o prefeito de Itu negou ter tido ao encontro. Informou ainda que o contrato com a Home Care Medical foi celebrado há três anos, após um processo de concorrência pública e com o aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Em 2006, a Polícia Federal tinha apreendido, durante a Operação Vampiro, ambulâncias que eram destinadas pela máfia das sanguessugas à Prefeitura de Itu. Em 2007 a administração municipal conseguiu, na Justiça, ser declarada ¿fiel depositária¿ das ambulâncias apreendidas - oito veículos Fiat Dobló e um Peugeot.
Outro caso que demonstra a promiscuidade com o Poder Público, segundo os investigadores, ocorreu em Peruíbe (SP), cuja prefeitura é administrada pelo PMDB. Em um telefonema feito às 22h15 de 5 de agosto deste ano, o empresário Dirceu Gonçalves Ferreira Junior, um dos sócios das empresas Vida¿s Med e Biodinâmica conversa com um homem identificado como Edinho. Este diz que vai entregar no dia seguinte ao empresário a lista de medicamentos. ¿Tem tudo que precisa lá de Peruíbe, para você montar o edital¿, avisa. ¿Ótimo¿, comemora o empresário. Edinho conta que está na Assembléia Legislativa. Dirceu diz que vai ¿fornecer a receita do médico¿. Os dois conversam sobre a tomada de preços e chegam a dizer: ¿Nós fazemos do nosso jeito.¿
A reportagem não conseguiu contato com a Prefeitura de Peruíbe na noite de sexta-feira nem na manhã de ontem.