Título: No Itamaraty, McCain e Obama contrapõe razão e coração
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2008, Internacional, p. A16

Republicanos costumam ser melhores para o Brasil. Democratas, para o mundo. O dilema tradicionalmente acompanha as análises do Itamaraty a cada eleição presidencial nos EUA. Desta vez, apesar de toda a simpatia de uma diplomacia politicamente correta - e subordinada ao governo de um ex-metalúrgico - por Barack Obama, o candidato negro do Partido Democrata, essa máxima surge com maior força e tende a se deslocar para o interesse brasileiro. Companheiro de partido do presidente George W. Bush, o republicano John McCain tornou-se o favorito inconfessável da cúpula do Itamaraty.

A assessores, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, assinalou recentemente que sua aposta se divide entre ¿razão e coração¿. Teorias à parte, o Itamaraty contabiliza o fato de que, na Casa Branca, republicanos mostram-se menos propensos a aceitar pressões protecionistas e, especialmente no governo de Bush, mantiveram relação respeitosa ao papel hegemônico exercido pelo Brasil na América do Sul.

Afastado da cena latino-americana pelas guerras no Afeganistão e no Iraque, o comando republicano chegou a fazer vistas grossas aos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos EUA e aos seus elogios à Venezuela de Hugo Chávez. No Itamaraty, tornou-se claro que o governo Bush assimilou as investidas do Brasil na região como um meio de aliviar tensões locais. A expectativa é que essa conduta será mantida por McCain, mas a mesma segurança não existe em relação a Obama.

¿Em vez de contestar o ativismo do País na região, Bush manteve um contato bastante fluído com Lula e chamou o Brasil para várias mesas de debates e negociações¿, afirmou um diplomata. ¿A convivência republicana com o Brasil tem sido boa para o governo Lula.¿

POLÍTICAS FAVORÁVEIS

Em diferentes momentos desta campanha, o Itamaraty assinalou declarações favoráveis de Obama e de McCain a que o Brasil assuma um papel mais central nos fóruns internacionais. Assessores de ambos mencionaram que o País deveria integrar - juntamente com seus parceiros do G-5 (África do Sul, China, Índia e México) e a Arábia Saudita - um novo grupo das maiores economias do mundo, que sucederia ao G-8. Entretanto, o maior entusiasmo do discurso de McCain sobre essa questão foi registrado cuidadosamente por Amorim.

O republicano tocou ainda em questões caras ao governo brasileiro, como a redução das barreiras dos EUA à importação de etanol, e indicou que o Departamento de Estado deverá ser conduzido, se eleito, por Robert Zoellick. Atual presidente do Banco Mundial, Zoellick foi o principal negociador comercial durante a maior parte do governo Bush e manteve um diálogo intenso com Amorim.

O coração, entretanto, tem se manifestado em diferentes frentes do governo na forma de aposta no democrata. No dia 20, o presidente Lula declarou que Obama seria eleito pela crise financeira mundial. ¿Pode até ser que não tenha muita diferença ideológica e conceitual entre democratas e republicanos. Mas, do ponto de vista simbólico, esse mundo eleger um torneiro mecânico pela segunda vez no Brasil, eleger um índio na Bolívia e um negro nos EUA é demais¿, disse Lula, ao colocar no mesmo balaio da superação de preconceitos Obama, Evo Morales e a si próprio. Na sexta-feira, em Cuba, Lula fez declarações parecidas.

Antes, Amorim havia assinalado que a eleição de Obama representaria uma revolução progressista nos EUA, em termos das relações desse país em um mundo que deixa de ser unipolar. Sua vitória, afirmou a assessores, ¿despertaria os melhores sentimentos do coração¿. Mas, outra vez movido pela razão, o Itamaraty anotou que, entre os principais conselheiros econômicos de Obama está Paul Volcker, mencionado como o possível secretário do Tesouro em sua administração.

Presidente do Banco Central americano entre 1979 e 1987, Volcker tomou uma decisão brusca para conter a escalada inflacionária dos EUA - elevou a taxa básica de juros para 13,5%. Acabou por multiplicar a dívida da maior parte dos países da América Latina, entre eles o Brasil