Título: Governo avalia que a crise não vira recessão, mas quer Isordil
Autor: Abreu, Beatriz; Bosco,João
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2008, Economia, p. B5

Depois da sexta-feira negra do dia 24, quando o crash da Bolsa de Nova York completava 79 anos, o governo brasileiro entra nesta semana certo de que não haverá recessão no País. A desaceleração do crescimento neste último trimestre do ano está dada, mas a equipe econômica e os assessores da Presidência da República avaliam que o terror de uma crise que paralise os investimentos e desempregue em massa não vai entrar em cena. A ordem, porém, é manter a ¿estratégia Isordil¿.

A estratégia foi assunto público no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira, na abertura do 25º Salão Internacional do Automóvel, em São Paulo. O governo, mesmo não prevendo o pior dos mundos para a economia, quer ter à mão um arsenal de medidas à altura de uma necessidade do porte de uma recessão. Foi por isso que, entre todas as decisões do Banco Central sobre liberação de compulsórios, leilões de dólares e outras modalidades de intervenção forte e pontual no mercado financeiro, o Planalto baixou também as Medidas Provisórias (MPs) 442 e 443.

Mesmo se dizendo um ¿pregador do otimismo¿, Lula fez uma analogia entre crises financeiras e pessoas precavidas, que, para evitar um enfarte mortal, carregam sempre um comprimido de Isordil. O presidente lembrou de um ¿amigo que teve um enfarte¿ e sempre contava a história do ataque cardíaco. Fazia a dramatização da agonia tantas vezes que Lula adotou um hábito: ¿Passei a andar, no bolso, com aqueles comprimidos que a gente põe embaixo da língua¿. A moral do cidadão prevenido foi adaptada ao momento pelo próprio presidente: ¿Ora, todos nós sabemos que tem uma crise¿.

O Isordil da precaução, por enquanto, são as duas MPs, ambas com a marcante característica de dar ao Estado uma inédita capacidade de intervenção no mercado financeiro, por meio do BC, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Dotado desse poder legal - as MPs ainda tramitam no Congresso, mas já são lei - e com a confiança econômica amealhada na semana passada, o governo programou para quinta-feira mais um exercício de política carismática para tonificar o empresariado na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ¿Conselhão¿.

¿Passamos uma semana em que sentimos, pela primeira vez, de maneira concreta, os efeitos positivos das medidas tomadas mundo afora contra a crise¿, resumiu o estado de espírito geral o ministro de Relações Institucionais, José Múcio. Outro ministro, Paulo Bernardo, do Planejamento, lançou mão de uma frase de efeito para tratar a crise não mais como um choque destruidor, mas como um processo que boas medidas econômicas podem controlar e engolir. ¿A crise deve ser cozinhada em fogo brando¿, disse ele, acrescentando que a intenção é ir juntando ¿água quente para amolecer¿ e, depois, ¿fazer um almoço¿.

O Planalto não teme nem mesmo a possibilidade de a redução dos juros mundo afora ser uma tática suicida, na medida em que os governos ficariam desarmados para combater possíveis altas de inflação. A equipe econômica do governo Lula leu o recuo de 0,3% no Produto Interno Bruto dos Estados Unidos, no terceiro trimestre, sem maiores sobressaltos e fazendo até a projeção de que, diante do cenário de deflação para os próximos meses, a tendência é que a economia americana encerre o ano em recessão, mas mais amena do que se esperava diante da crise.

Novembro e dezembro serão, para o governo brasileiro, meses de resguardo e expectativa. E, nesta segunda-feira, na reunião da Coordenação Política, o assunto-chave da agenda é o Orçamento Geral da União para 2009. A tendência é não fazer nenhuma sinalização de aperto prévio, o que, em vez de ser lido como gesto de austeridade total em tempo de crise, poderia ser visto como um sinal de desaceleração dos investimentos públicos, indício de que o governo destila otimismo em público, mas precisa fazer um aperto nas contas para enfrentar algo que teme às escondidas.

Na quinta-feira, no ¿Conselhão¿, animado pela ¿harmonia¿ das medidas globais - o que o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros chama de ¿grande cruzada internacional contra a depressão¿ -, pelo sucesso do leilão das rodovias paulistas e os anúncios de que Votorantin, Petrobrás e o próprio governo tucano do Estado de São Paulo vão manter os investimentos programados para 2009, o presidente Lula vai exortar os empresários a investir e a dizer se precisam de mais algum instrumento do governo para continuar a produzir.

Devem falar os representantes da infra-estrutura e indústria de base, dos bancos, do varejo, da construção civil, da agropecuária e dos sindicatos. O consultor Antoninho Trevisan, membro do Conselhão, disse que será feito pedido de atenção especial às pequenas e médias empresas. ¿Ao contrário das grandes corporações, que têm alternativas e poder para buscar crédito em várias fontes, elas só têm os bancos tradicionais; e o crédito está apertado.¿

O presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base, Paulo Godoy, vai defender o foco no crédito para os grandes projetos de infra-estrutura, nas áreas de energia, estradas e ferrovias, além de petróleo e gás.

Outra sexta-feira, como a retrasada, quando o PIB britânico do terceiro trimestre saiu negativo, a Chrysler dos EUA anunciou a demissão de 25% dos funcionários administrativos, usinas siderúrgicas fecharam e a Peugeot-Citröen francesa cortou 30% da produção, seria o sintoma explícito de um descalabro econômico. Mas os US$ 30 bilhões que o Fed, o banco central americano, disponibilizou para o Brasil na quinta-feira soaram como prova de que a articulação global anticrise não caiu no vazio.